domingo, 17 de maio de 2015

Mais mentiras sobre a Previdência Social


A polêmica envolvendo os setores mais fisiológicos do PMBD e o Palácio do Planalto corre o risco de apresentar resultados bastante negativos para o conjunto da sociedade. Uma das conseqüências dessa disputa aberta pelo poder político, em torno de maiores espaços na máquina federal, acabou sobrando para o nosso regime previdenciário.

Garibaldi Alves Filho foi nomeado para o cargo de ministro da Previdência Social (MPS) pela Presidenta Dilma em janeiro de 2011. Há 3 anos, portanto, que esse Ministério estratégico estava devidamente loteado nas contas do rateio daquilo que vem sendo chamado de “PMDB do Senado” pela imprensa. Em suposta oposição ao grupo também apelidado de “PMDB da Câmara” - este sob a ruidosa liderança do deputado federal carioca Eduardo Cunha e mais aguerrido na luta apetitosa por mais cargos e verbas. Afinal, estamos em ano eleitoral e os candidatos precisam montar seus esquemas financeiros e de busca de votos (sic). Uma loucura esse verdadeiro vale-tudo, que se repete de forma sistemática, sempre às custas dos recursos públicos.

Ocorre que o ministro é senador eleito pelo Estado do Rio Grande do Norte e tem mandato assegurado até 2019. Não corre risco algum no próximo mês de outubro e pode colocar algumas pedras no caminho do governo, caso se sinta contrariado em seus interesses políticos. Ou de seu grupo. Como o momento atual é de gritar alguma forma de independência face ao núcleo duro palaciano, os lances políticos dos peemedebistas carregam sempre uma possibilidade de chantagem. Inclusive com atitudes, por mais surpreendente que possa parecer, partindo dos próprios titulares de cargos do primeiro escalão.

A falsa polêmica entre Garibaldi e Mantega

Pois então, esse é o pano de fundo para compreendermos a polêmica pública envolvendo o nobre ministro parlamentar e o seu colega Guido Mantega, titular do Ministério da Fazenda (MF). Em meio ao redemoinho da rebeldia de seus colegas articuladores do “blocão”, Garibaldi Alves vai aos jornais denunciar a suposta falta de realismo nos cálculos da equipe econômica a respeito das contas da previdência. Tudo isso ocorre porque, de acordo com os dados embutidos na metodologia de apuração do superávit primário de 2014, a s conclusões apontam para uma necessidade de financiamento das contas previdenciárias no valor de R$ 40 bilhões.

E o titular da pasta diz que as contas não são bem assim, e que seriam necessários, na verdade, mais de R$ 50 bi para fechar a contabilidade do regime no longo do ano. Uma forma sutil e pouco carinhosa de dar um belo puxão de orelhas em Mantega, e indiretamente colocar Dilma em uma saia juta. Mas independentemente de forma final de “solução” de mais essa disputa pública de integrantes do primeiro time da Esplanada, o mais perigoso é que acabou sobrando – mais uma vez! – para o futuro do próprio Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Os termos utilizados por ambos dirigentes na polêmica leva, como sempre, a um engodo a respeito da real situação das contas do INSS. Os meios de comunicação passaram a ter em mãos aquilo que tanto buscam: números gigantescos a respeito de gastos públicos, que automaticamente ganham as manchetes, sempre tão mentirosas quanto escandalosas. “Déficit da previdência é superior a R$ 50 bi!”. “Rombo previdenciário supera R$ 50 bi!” e por aí vai. É o primeiro passo para que saiam a campo os arautos do catastrofismo, nossos velhos conhecidos, sempre a sugerir as medidas recorrentes de “reforma previdenciária”, incansáveis na linha da redução de direitos dos beneficiários e da preparação do terreno para a privatização do sistema.

O regime previdenciário está equilibrado

Assim, é necessário reafirmar pela enésima vez: o regime previdenciário não tem déficit nenhum! Pelo contrário, ele está equilibrado e apresenta superávit! (destaque do blog) Os números estão disponíveis para quem quiser, basta consultar na própria página do MPS na internet. O detalhe da maldade praticada de forma intencional é misturar os dados relativos a dois subconjuntos bem diferentes do regime previdenciário. Aliás, trata-se de agrupamentos tão distintos, que o próprio balanço do RGPS os trata de forma diferenciada. São os trabalhadores urbanos, de um lado, e os trabalhadores rurais, de outro lado.

A necessidade de contabilização diferenciada reside no fato de que o universo dos rurais só foi incorporado à Previdência Social a partir da definição da Assembléia Nacional Constituinte em 1988. Até então, os integrantes do mundo agrícola eram impedidos de ter acesso a esse benefício básico de cidadania. Com restabelecimento dessa condição elementar de isonomia republicana, um contingente significativo de indivíduos e suas famílias passaram a ter direito ao benefício previdenciário. Mas para reparar tal histórica injustiça, essas primeiras gerações de agricultores foram sendo aposentadas sem nunca ter contribuído ao longo de sua vida laboral. E frise-se: não porque não quisessem recolher sua parte, mas pelo simples fato de que o sistema não os aceitava como participantes.

Ora, essa condição particular, criou um subsistema em que só são contabilizadas despesas, quase sem receitas. Um quadro absolutamente compreensível, mas que não diz nada a respeito de equilíbrio ou desequilíbrio do regime previdenciário. Foi uma decisão do País, por meio de seus representantes na elaboração da Carta Magna. Para efeito de contabilidade atuarial e financeira da previdência social, o Tesouro Nacional é que deveria ressarcir a cada mês ao INSS o valor correspondente a tais despesas.

De qualquer forma, o balanço de 2013 é mais do que evidente. O subconjunto dos trabalhadores urbanos - existente desde a década de 1930 – apresentou um total de receitas correspondentes a R$ 332 bi. As despesas com os benefícios pagos ao longo de mesmo período foram de R$ 282 bi. Ou seja, ao invés de “rombo”, o regime apresentou um saldo positivo de R$ 50 bi. Ocorre que essa fonte de recursos bilionários é tratada de maneira não muito respeitosa pelos responsáveis pela política econômica. O primeiro detalhe surge com as isenções e desonerações. As empresas que aderem ao SIMPLES e as entidades filantrópicas, por exemplo, não recolhem a contribuição previdenciária patronal, correspondente a 20% sobre a folha de pagamentos. Só com esses 2 artifícios, o RGPS perde R$ 25 bi. Mas mesmo assim, consegue exibir um superávit anual de R$ 25 bi.

Já o subconjunto dos rurais, pelas razões acima expostas, apresenta um quadro bastante diferente. Em 2013, foram arrecadados por volta de R$ 11 bi, com uma despesa com pagamento de aposentadorias e pensões equivalente a R$ 82 bi. O saldo seria de R$ 71 bi negativos. Ocorre que aqui também há uma outra maldade de exclusão da renúncia dos exportadores agrícolas, de forma que o déficit apresentado é de R$ 75 bi.

A falácia do “desajuste estrutural” do RGPS

E assim chegamos ao número mágico do suposto “déficit previdenciário” de R$ 50 bi. Nada mais do que uma aritmética simples do superávit do sub-regime equilibrado com o déficit de um sub-regime especial, que nasceu desequilibrado exatamente para satisfazer a uma necessidade de igualdade social. Não cabe o raciocínio de realizar reformas no RGPS para cobrir essa necessidade de financiamento, pois tal procedimento só viria pelo expediente de redução dos direitos dos participantes. Cabe ao Orçamento aprovisionar anualmente os recursos derivados de tal decisão, assim como se faz com as verbas para viabilizar a educação pública ou a saúde pública.

Vale, ainda, recordar os inúmeros efeitos positivos proporcionados por tal política. São mais de R$ 365 bi injetados anualmente na economia por meio do pagamento de benefícios a mais de 31 milhões de pessoas. A grande maioria (70%) desse universo recebe valores mensais inferiores ou iguais a um salário mínimo, sendo que na área rural essa porcentagem é superior a 99% do total. São valores que têm contribuído de forma inequívoca para manter aquecida a nossa demanda interna, inclusive retornando em quase 40% aos cofres públicos sob a forma de impostos incidentes na aquisição de bens e serviços para a população de baixa renda. A atual política de valorização do salário mínimo, em vigor ao longo da última década, tem proporcionado ganhos relevantes em termos de melhoria de qualidade de vida para milhões de famílias em todo o território nacional.

Assim, fica evidente que não existe “desequilíbrio estrutural” nenhum em nosso regime previdenciário. O que ocorre é que o governo tem usado esse modelo para conceder benesses ao capital, como tem acontecido com as recentes desonerações da folha de pagamento. A substituição da contribuição patronal pela hipotética alíquota tributária incidente sobre o faturamento das empresas não tem surtido o efeito desejado e o regime está apenas perdendo receita. As empresas não apresentam nenhuma contrapartida em termos de geração de emprego ou redução de preços de seus produtos. Essa bondade feita hoje com o chapéu alheio pode, isso sim, provocar algum desequilíbrio nas contas da previdência no futuro, ao longo das próximas décadas.

Os verdadeiros “rombos”: sonegação e pagamento de juros

O discurso falacioso a respeito do “buraco nas contas da previdência” só serve para esconder onde estão os verdadeiros rombos das contas públicas. Basta mencionar aqui os mais de R$ 100 bi gastos anualmente com pagamento de juros da dívida pública – eis aqui um exemplo de subsistema que apenas suga recursos orçamentários e que deveria sofrer uma reforma para diminuir seus gastos totalmente parasitários. Ou então o impressionante rombo da sonegação de tributos, cuja estimativa - calculada por profissionais da área e divulgados pelo sítio do “sonegômetro” - já teria superado a marca de R$ 500 bi anuais.

A despeito da polêmica entre Garibaldi e os responsáveis pelo MF, caberia ao núcleo duro do governo superar esse discurso conservador e apontar caminhos para que a contabilidade pública aprovisionasse corretamente os recursos devidos ao RGPS. Esse seria o caminho para se ter um quadro mais realista a respeito da estrutura do nosso regime previdenciário, inclusive para se pensar a respeito de mudanças futuras, derivadas da mudança do perfil demográfico e da salutar tendência do envelhecimento de nossa população.

Mas, de uma vez por todas, é preciso reafirmar com todas as letras. A Previdência Social não é problema em nosso País; pelo contrário, ela é solução. Cabe a todos nós zelarmos por sua boa condução, evitando que sua dimensão bilionária seja utilizada como alternativa tentadora - sempre à disposição da autoridade de plantão - para cobrir outras necessidades emergenciais da contabilidade pública.






Por Jaciara Itaim
Economista

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