sábado, 28 de março de 2015

Brasil: vítima do keynesianismo vulgar


Todos os caminhos keynesianos levam à estagflação. Foi assim na Europa e nos EUA na década de 1970, quando tanto a estagnação econômica quanto a inflação de preços atingiram suas economias ao mesmo tempo. Atualmente, esse é o caso do Brasil.

Desde que chegou ao poder, em 2003, o governo trabalhista brasileiro se dedicou, religiosamente, a implantar a doutrina econômica do "crescimento por meio do consumismo". Atualmente, o país vive as inevitáveis consequências dessa política simplista, que culminou em endividamento recorde da população, acentuada desvalorização cambial, estagnação econômica e inflação de preços em ascensão.

Todos os indicadores econômicos já estão piscando uma luz vermelha: do crescimento econômico à taxa de câmbio, passando pela inflação de preços, pela produtividade, pelo investimento e pela produção industrial (que encolhe há 11 meses). A confiança do empresariado está no menor nível da série histórica. Já a confiança do consumidor é a pior em 10 anos.

Expansões e bolhas, ao estilo brasileiro

Mais uma vez, as políticas keynesianas levaram à estagflação. A realidade finalmente se impôs. A ilusão da riqueza fácil foi despedaçada. O arsenal keynesiano, que parecia tão eficiente em criar milagres, se tornou impotente.

A equipe econômica da Fazenda e do Banco Central não tem a mais mínima noção do que fazer. Os pronunciamentos de seus integrantes são divergentes e desencontrados. Pudera: na prática, eles desconhecem qualquer outra doutrina econômica que não seja aquela de estimular a economia pelo consumo das famílias e pelos gastos do governo.

No entanto, com o endividamento das famílias em níveis recordes, com os cofres do governo vazios e com a inflação de preços em alta, as políticas de expansão do crédito e déficits orçamentários do governo se exauriram.

As condições externas favoráveis, como o forte crescimento da China e a alta demanda por commodities, beneficiaram a economia brasileira durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Esses fatores externos em conjunto com maciços estímulos internos aceleraram o crescimento econômico. No entanto, com o fim do boom das commodities e a desaceleração do crescimento econômico da China, os fatores externos não mais podem ajudar. Para piorar, o consumo interno da população estagnou à medida que seu endividamento — assim como o do governo — aparentemente chegou ao limite.

No início de 2015, finalmente tornou-se óbvio que o país havia vivido em um mundo ilusório sob a batuta do Partido dos Trabalhadores durante os últimos doze anos. Olhando retroativamente, hoje parece piada o fato de Lula, certa vez, ter anunciado que a economia brasileira estava prestes a ultrapassar a do Reino Unido e que, dali em diante, continuaria ultrapassando as outras principais economias do mundo.

Quando foi anunciado, em 2007, que o Brasil iria sediar a Copa do Mundo de 2014, e também quando, em 2009, foi anunciado que o Comitê Olímpico escolhera o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, parecia que o tão desejado reconhecimento internacional para as façanhas do presidente havia finalmente sido alcançado. O júbilo interno foi igualado pela exuberância externa, e todos falavam sobre como Lula levaria o Brasil para o século XXI.

Assim como muitos brasileiros não queriam enxergar a realidade, os observadores externos também fizeram vista grossa para o fato de que o Partido dos Trabalhadores estava simplesmente praticando uma das formas mais grosseiras de keynesianismo. O keynesianismo brasileiro é de um tipo que vem profundamente misturado com o marxismo de Michael Kalecki. Na Europa e nos EUA, ainda há resíduos de um pensamento econômico sólido, o qual conseguiu sobreviver aos ataques da "nova economia". No Brasil, no entanto, houve uma vitória quase que completa do "keynesianismo kaleckiano", que logrou jogar a maioria das outras escolas de pensamento econômico no limbo.

Pode o governo transformar pedras em pães?

Até hoje, o economista polonês Kalecki ainda é tido em alta estima por algumas das mais proeminentes universidades brasileiras.

A corrente de keynesianismo que Kalecki desenvolveu na década de 1930 se transformou no principal paradigma das políticas econômicas no Brasil, não obstante o fato de que esse tipo de macroeconomia carece de fundamentos micro e é totalmente vaga em termos de conteúdo realista.

A corrente kaleckiana de keynesianismo leva a sério os símbolos da literatura macroeconômica convencional e, ao manipulá-los de acordo com as regras básicas da álgebra, o modelo chega à conclusão de que "trabalhadores gastam o que ganham" ao passo que "capitalistas ganham o que gastam" (foi assim que essa teoria foi resumida por Nicholas Kaldor).

Kalecki e seus seguidores marxistas consequentemente decidiram que, quando o estado assume a função do capitalista, os gastos do governo se tornam capazes de enriquecer o país ao mesmo tempo em que garantem que os trabalhadores recebam sua fatia justa na condição de consumidores. Ainda mais do que Keyens, o evangelho de Kalecki pregava que seus seguidores eram capazes de transformar pedras em pães. Os gastos do governo, em qualquer área e com qualquer propósito, em conjunto com o consumismo em massa seriam o caminho mais prazeroso para a prosperidade.

Essa promessa tem sido o norte das políticas econômicas do governo do PT ao longo da última década.

Durante a maior parte dos dois mandatos presidenciais de Lula, de 2003 a 2010, a receita kaleckiana pareceu funcionar. Sob o comando do ex-líder sindical, o governo brasileiro gastou, os consumidores consumiram, e a economia cresceu. Ao mesmo tempo, em decorrência de conjunturas externas, a taxa de câmbio se apreciou, o que garantiu que a inflação de preços permanecesse contida não obstante toda a expansão do crédito e todo o consumismo. A taxa de desemprego caiu.

Não é de se estranhar, portanto, que Lula tenha usufruído uma imensa popularidade durante seus dois mandatos, e que o PT tenha conseguido se manter no poder quando Lula escolheu a dedo sua sucessora, que venceu as eleições em 2010 e 2014.

Dilma Rousseff, no entanto, uma burocrata de carreira e ex-guerrilheira urbana, teve enormes dificuldades para se reeleger. Logo no início do seu segundo mandato, nuvens escuras começaram a ofuscar o ainda flagrante otimismo do partido. Em 2011, seu primeiro ano de governo, a taxa de crescimento econômico começou a desacelerar. O governo, entretanto, foi rápido em alegar que tudo não passava de um soluço passageiro. Porém, quando a taxa de crescimento continuou caindo em 2012, o governo começou a entrar em pânico. Aquilo simplesmente não constava em seus modelos.

Em 2014, com as eleições no final do ano, o governo fez exatamente aquilo que a receita kaleckiana-keynesiana prescreve, e acelerou ainda mais suas políticas expansionistas. Isso pode ter lhe garantido a reeleição, mas o preço veio logo em seguida, e está sendo alto.

A desilusão se instala

No início de 2015, o desencantamento veio com tudo. As pessoas, principalmente seus eleitores, se sentiram enganadas pelo falso otimismo e pelas falsas promessas de campanha. Além da inflação de preços que não dá sinais de arrefecimento, os juros estão em ascensão, as tarifas de energia elétrica foram elevadas acentuadamente e o preço da gasolina chegou a níveis recordes — três medidas que Dilma jurou durante sua campanha que não iria tomar.

Para piorar, o escândalo de corrupção na Petrobras em conjunto com uma economia que está rapidamente se deteriorando levaram dois milhões de pessoas às ruas, no dia 15 de março, para protestar contra o governo e pedir o impeachment da presidente.

No entanto, o que vários manifestantes ainda não entenderam é que o Brasil necessita de muito mais do que uma simples mudança de governo. O país necessita urgentemente de uma mudança de mentalidade. Para encontrar o caminho da prosperidade, o Brasil tem de descartar sua ideologia econômica dominante. O Brasil tem de se livrar de sua tradição de ter governos perdulários e de acreditar que a expansão do crédito resolve todos os problemas. O país não pode continuar imaginando que a participação do estado — de inspiração marxista — na economia e o protecionismo instituído pela Cepal irão enriquecer o país.

Não há nenhuma circunstância especial no cerne do atual desarranjo econômico; há apenas ideias erradas sobre política econômica.

Para encontrar a saída da atual crise, o Brasil precisa de uma grande dose de liberalização econômica. Menos intervenção estatal e muito mais liberdade de empreendimento devem ser os primeiros passos. E, para que isso aconteça, uma mudança de mentalidade é necessária. Os brasileiros devem adotar uma alternativa ao atual capitalismo de estado. O país tem de abraçar o laissez-faire para poder prosperar.

Essa tarefa é tremendamente desafiadora, pois praticamente todos os partidos políticos atualmente representados no Congresso são de esquerda e de extrema-esquerda. Não há nenhum partido genuinamente conservador e nenhum partido autenticamente pró-mercado. Essa situação é mais do peculiar porque, como pesquisas consistentemente mostram, a maioria dos brasileiros se situa na centro-direita em termos de orientação política.

O marxismo ainda domina as universidades

O motivo dessa discrepância jaz no fato de que a esquerda domina o ensino superior, especialmente nas ciências sociais, nas ciências econômicas e no direito. São desses setores que a maioria dos ativistas políticos vem. Quando a ditadura militar acabou, em 1984, o sistema universitário já estava sob controle quase que completo de esquerdistas de todos os tipos. Consequentemente, a vida acadêmica é ideologicamente muito diferente dos costumes do resto da sociedade brasileira, onde o bom senso ainda prevalece, embora não tenha voz.

Felizmente, a evolução intelectual não mais depende exclusivamente da academia. Embora a corrente kaleckiana de keynesianismo e marxismo ainda domine as universidades, um robusto movimento libertário está em ascensão no Brasil. Assim como o proverbial viajante do deserto está à procura de água, vários jovens estão à procura de ideias novas para combater o crescente estatismo que está arruinando a economia brasileira.

No passado, mudanças na mentalidade levavam décadas, até mesmo séculos, para ocorrer. Hoje, com o advento da internet, ideias têm um mercado próprio, e há livre acesso para todos. Será fácil para os brasileiros entenderem que não basta apenas ficar bravo com o atual governo; para prosperar, a solução é transformar o capitalismo de estado vigente no país em um sistema de livre mercado. Só assim o enriquecimento será contínuo.






Por Antony Mueller
Doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Fundador do The Continental Economics Institute (CEI).

Nenhum comentário: