quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Obsolescência programada: o consumo exacerbado e o esgotamento de fontes naturais
Conceito aplicado pela indústria de lâmpadas desde os anos 20 do século passado, a “obsolescência programada” é tema relevante para a reflexão sobre consumo e tecnologia. A cineasta alemã Cosima Dannoritzer e o artista brasileiro Lucas Bambozzi, entre outros, discutem o assunto em suas obras.
Desde a Revolução Industrial, a relação entre consumo, indivíduo e sociedade tem sido uma das principais discussões dentro das Ciências Humanas, que buscam, desde então, entender e explicar como o novo modo de produção transforma e afeta a sociedade moderna. Com a produção em massa, surgia também a necessidade da indústria de conhecer melhor o perfil dos seus consumidores e, principalmente, de criar novas maneiras para incentivá-los a comprar cada vez mais. Foi na década de 1920 que a indústria de lâmpadas decidiu então aplicar o conceito de “obsolescência programada” na linha de produção, o que reduz a vida útil dos produtos para que o consumidor tenha de trocá-lo com mais frequência.
A ideia de diminuir o tempo de uso de produtos apareceu pela primeira vez em 1925, quando o cartel Phoebus, formado pelos principais fabricantes de lâmpadas da Europa e dos Estados Unidos, decidiu reduzir o tempo de duração de suas lâmpadas de 2.500 para 1.000 horas, a fim de aumentar o lucro das indústrias filiadas. No entanto, o conceito de “obsolescência programada” só viria a ser criado mais tarde pelo norte-americano Bernard London, um investidor imobiliário, que sugeria a obrigatoriedade de uma vida útil mais reduzida para os produtos, como forma de impulsionar a economia, que passava pela crise de 1929.
Considerada um tanto radical para a época, a ideia de London não foi colocada em prática no início da década de 1930, mas sim durante a década de 1950 pelo designer industrial Brooks Stevens, que já era famoso por seus desenhos modernos no desenvolvimento de produtos. Stevens defendia veementemente a obsolescência programada e argumentava que esta dependia do consumidor: todos os consumidores desejam novos produtos no mercado e são livres para decidir comprá-los ou não, independentemente da duração dos mesmos. Com a redução da vida útil dos produtos e o desenvolvimento da propaganda, o desejo de possuir o novo era cada vez mais incitado no consumidor, que deixava de comprar por necessidade para consumir por hábito.
Além da relação do consumidor com o produto, o professor da Universidade de Weimar, Markus Krajewski Krajewski, afirma que outro marco da obsolescência programada consiste na qualidade dos produtos, que antes eram fabricados para serem reutilizados e consertados e, desde a propagação do conceito na indústria, são produzidos para que sejam substituídos o mais rápido possível. “Se uma mesa não quebra sozinha, dentro de um certo tempo de uso, o próprio fabricante estipula seu prazo de validade”, explica Krajewski. Segundo o professor, é provável que rachaduras sejam inseridas na madeira do pé da mesa de forma imperceptível para o consumidor, que enxerga as mesmas como um desgaste natural do próprio objeto e não um defeito proposital para reduzir a vida útil do produto.
Cultura de consumo e produção de lixo eletrônico
A redução da vida útil dos produtos chamou a atenção da cineasta alemã Cosima Dannoritzer, que decidiu investigar os rumores comumente disseminados pelos mais velhos de que “antigamente as coisas duravam mais”. Para surpresa de Dannoritzer, “a verdade era ainda mais estranha do que os próprios rumores”. Em seu documentário The Light Bulb Conspiracy (2010 – A Obsolescência Programada), a cineasta percorre vários países para tentar compreender a influência deste conceito na nossa sociedade. Ela mostra como este modo de produção e de consumo mudou a relação do indivíduo com o produto, gerou inúmeras consequências ambientais e também propiciou a ascensão de resistências dentro da sociedade contra o consumismo ilimitado.
No documentário, Dannoritzer reflete sobre as relações de poder sócio-econômico dentro deste sistema de consumo e suas consequências ambientais. Uma delas é o crescente número de resíduos eletrônicos – computadores, celulares, chips etc – que, muitas vezes, são transportados e despejados em países em desenvolvimento, embora haja um tratado que proíba este tipo de prática. Em seu documentário, a cineasta registra tal descaso ao mostrar Agbogbloshie, no subúrbio de Accra, em Gana, que tornou-se um depósito de lixo eletrônico de países desenvolvidos como Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, que enviam seus resíduos sob o pretexto de ajuda ao país de “Terceiro Mundo”, alegando que estes eletrônicos ainda podem ser reutilizados. No entanto, Dannoritzer aponta em seu filme que mais de 80% desses resíduos são, de fato, lixo. E não podem mais ser reciclados ou sequer reaproveitados.
A produção de resíduos eletrônicos está diretamente relacionada ao poder econômico: os países que possuem maior renda, consomem mais e, consequentemente, produzem mais lixo eletrônico. Em uma rodada de discussões dentro da Rio +20 sobre a produção desses resíduos sólidos (Lixo eletrônico: impactos e transformações - Roda de Conversa Rio+20), a especialista do Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Andréa Caresteada, reforçou esta relação ao falar sobre o crescimento da classe média no Brasil que, segundo ela, já alcançou o número de 100 milhões de pessoas. A especialista relata que, com o aumento de poder de compra, cresceu também o consumo de eletroeletrônicos que correspondem a eletrodomésticos, computadores e celulares, por exemplo. Caresteada admite, no site do evento, haver uma disparidade entre o poder de aquisição e educação ambiental, pois ainda falta consciência quanto à produção de resíduos eletrônicos e ao hábito de consumo.
De acordo com Krajewski, uma das grandes diferenças entre países industrializados, como a Alemanha e os Estados Unidos, e os emergentes, como a China e o Brasil, é o fato de a maior tradição da obsolescência programada nos primeiros possibilitar a instituição de um movimento de resistência, tanto na esfera política quanto na cultural. Na arquitetura e em determinados setores da manufatura, na Alemanha, o professor observa, por exemplo, que ainda há preferência pela durabilidade em vez do desgaste rápido de materiais através do “Manufactum-Prinzip” (princípio de manufatura), termo criado por uma cadeia de lojas de mesmo nome, cujo slogan é “Es gibt die noch, die guten Dinge” (Elas ainda existem, as coisas boas).
Fonte: Goethe Intitut
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