A Igreja como organismo espiritual e organização com personalidade jurídica não tem intervenção politico-partidária embora, certamente, a sua cultura tenha influência na consciência, nos valores éticos tanto individuais quanto sociais dos seus membros, e estes tenham, e é desejável que o tenham, uma participação política, quer seja nos atos eleitorais, quer seja no envolvimento político partidário.
Na minha análise a Igreja, a sua liderança em particular e os seus membros em geral, valorizam na sua vida e influência, mais do que tudo, a vertente ética, principalmente a que se dirige à bioética nas matérias do aborto, da eutanásia, do suicídio assistido, da reprodução com o recurso a meios laboratoriais; à sexualidade no que diz respeito aos meios contraceptivos, à homossexualidade e ao lesbianismo.
Normalmente ficam de fora as referências, tomadas de posição e consciencialização sobre a injustiça social na distribuição da riqueza, as políticas da família, educação, saúde, segurança e emprego, os modelos de desenvolvimento, os modelos econômicos, etc.
Na minha opinião tanto uma como outra são morais. Um gestor corrupto, um cidadão que foge às suas responsabilidades fiscais é tão imoral quanto um homossexual ou uma prostituta, ou quem pratica o aborto.
Se por um lado se espera que como cristãos não pratiquemos o adultério, também não é menos verdade que se espera que sejamos trabalhadores cumpridores, empresários escrupulosos, cidadãos que observam as suas obrigações fiscais.
Se por um lado como pais ou como filhos somos chamados a ter uma postura de respeito e atenção, também como colegas e vizinhos somos chamados à solidariedade e ao serviço.
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Permita-se-nos algumas considerações sobre as questões éticas que hoje se nos colocam como igreja e como membros individuais.
O ordenamento jurídico nunca poderá implantar o Reino de Deus, porque este é constituído por homens e mulheres transformados pelo poder de Deus, que são filhos de Deus, que nasceram de novo, foram justificados e santificados para viverem de modo santo e justo.
Se a lei permite o que Deus proíbe, o cristão bíblico obedece ao que Deus diz e não “aproveita” a ocasião da permissividade da lei humana. O que é ou não pecado é definido segundo a Palavra de Deus e não segundo o costume ou a lei humana.
Pessoalmente partilho da opinião de que a lei humana nunca pode apropriar-se da penalidade extrema da lei divina, porque só Deus está em condições de exercê-la e porque só verdadeiros e genuínos servos de Deus estavam em condições de aplicá-la. Daí que não concordo em absoluto com a pena de morte.
Decorre também daqui que à luz da Bíblia não é possível termos hoje em dia um Estado teocrático em que a lei divina é imposta aos cidadãos, mesmo que estes majoritariamente ou minoritariamente a respeitem. A liberdade do homem pecar existe à luz da revelação divina embora o Estado democrático deva estabelecer limites à conduta individual e dos grupos, sem o que a convivência social se torna impossível. A sociedade tem tudo a beneficiar em que esses princípios sejam inspirados na ética cristã, mas daí à concepção de um Estado teocrático vai uma grande distância.
Existindo um referendo sobre um determinado comportamento que envolve princípios éticos definidos biblicamente o voto do cristão evangélico no nosso entender deve pautar-se pelas suas convicções fundamentadas biblicamente. Embora como cristão não tenha o direito de impor as minhas convicções a quem quer que seja, ao ser chamado a exprimir a minha opção devo, no meu entender, ser coerente com a ética cristã porque ela será o melhor para a sociedade.
Quando a Igreja é confundida pela sua militância com uma maioria moral, existe o perigo de a sua natureza e fim último ser distorcido gravemente. Na nossa ideia a Igreja é muito mais do que apenas um baluarte de regras morais e de catecismos éticos, ela é, antes de tudo o mais, portadora e demonstradora, na prática da vida quotidiana, da graça divina que envolve esperança e perdão, amor incondicional e transformação. Sendo assim, mais do que condenar a homossexualidade e o aborto, é necessário que os que por eles estão enredados entendam pelas nossas atitudes e palavras a real possibilidade de arrependimento e conversão, perdão e nova vida por Deus proporcionada.
Nas propostas políticas mais do que defender a penalização das transgressões ou contestar a sua despenalização, deve exigir-se políticas de prevenção e a ação da Igreja será sempre no sentido de promover a transformação que leva a um novo estilo de vida.
Um político cristão será confrontado com decisões em que não será possível sempre implementar o desejável do ponto de vista moral cristão, mas o possível, o que não significa ceder à corrupção e à injustiça. Um político evangélico nem sempre agradará a certos setores da igreja, o que não quer dizer forçosamente que esteja a contrariar os valores e princípios bíblicos.

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