segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Por que o PT deve acabar


Nos últimos dias, uma série de “deserções” das fileiras petistas tem acontecido, num momento em que ser petista é mais algo para se esconder como capricho atrasado e teimosia diante da realidade do que mostra de superioridade moral.

Dizem que o PT traiu seus ideais originais. Alguns até negam que ele ainda seja de esquerda.

Balela: o ideal do PT original era expropriar a “burguesia” e criar uma democracia de operários. Depois de 13 (!) anos no poder, o PT expropriou a burguesia e faz vigorosos contratos com empreiteiras para ou sermos operários deste esquema, ou falirmos.

Onde está a traição, se o PT cumpriu à risca o que prometia?

Quando debatia com Collor em 1989, Lula pregava uma jabuticaba chamada “socialismo democrático”, já que os países socialistas, que ele tanto defendia, entravam no colapso que resultou na Queda do Muro e na falência da União Soviética.

Já no poder, em 2007, no 3.º Congresso do Partido dos Trabalhadores, um vídeo promovido pelo próprio PT declarava qual era o “segundo grande tema do nosso [deles] Congresso, o Socialismo Petista” (sic).

O vídeo afirmava reiteradamente que eram um partido anticapitalista, que a luta anticapitalista estava no seu sangue, e que o conceito de socialismo “está presente desde a criação do partido, há 27 anos”.

Falando entre os seus, os petistas não precisam se preocupar com o que ordenam seus marqueteiros, preocupados em engabelar a população. Entre petistas, não há nada de “democracia”, “cumprir a lei”, “respeitar a Constituição”, “que papo ultrapassado, o socialismo já acabou, a Guerra Fria foi vencida pelos caras corretos e agora somos todos capitalistas de carteirinha”.

Lá, o mote é socialismo, é enaltecer Cuba e ditaduras totalitárias, é chamar genocida de “companheiro” e falar com toda a naturalidade da tirania bolivariana, para logo a seguir, quando estiver na imprensa, nos blogs ou conversando com pessoas normais, afirmar que aceitam a derrocada do socialismo, que o PT se dá muito bem com o capitalismo, que é paranóia de ultraliberais fanáticos como o Rodrigo Constantino chamar o PT de “bolivariano” e enxergar traços socialistas no PT. E, claro, que o Foro de São Paulo não existe, ou então é só uma reunião de velhas viúvas do totalitarismo bolchevique ou ainda que o PT nada tem a ver com isso.

Ora, o PT continua idêntico ao PT 89, sem riscos e até melhor repaginado, com terno Armani e sem tantos perdigotos. Inclusive foi a fundo no seu projeto de democracia operária: hoje, ou se trabalha batendo prego para uma grande empreiteira (“pleno emprego! oportunidades a todos! diminuição das desigualdades! distribuição de renda! vocês plantam inflação para colher juros!”), se tornando operário, ou sua pequena empresa vai à falência – com todos os brasileiros recebendo salário de peão da Odebrecht, lá se vão as diferenças sociais e está distribuída a renda.

Mesmo o enriquecimento destes empreiteiros, em conchavo com o governo, nada tem de traição do projeto inicial petista: o socialismo “científico” surgiu justamente com um industrial financiando um pretenso intelectual que nunca bateu um prego na parede para pendurar um quadro na vida.

As empreiteiras que estão na mira da Lava Jato não são um “desvio” do projeto petista anos 80: são exatamente sua extrema materialização. Numa democracia sindical, os empreiteiros não querem concorrer no livre mercado, e sim atuar em concessões com o governo, para que todos nós paguemos pelos seus projetos sem opção de “desigualdade” causada pelo “capital financeiro” na Bolsa de Valores. Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e companhia são apenas nossos Engels.

E qual a preocupação dos sindicatos como CUT com a Lava Jato? Como Dilma Rousseff se pronunciou sobre tantos bambambans presos? Ambos apenas criticaram o risco de “desemprego” – ou seja, se empresas como Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez falirem, aí sim está comprometido o projeto sindicalista petista da década de 80, sem empregos de batedores de martelo em empreiteiras protegidos por leis trabalhistas.

A resposta da presidente e dos sindicatos não é preocupação com a corrupção, com o tráfico totalitário de poder e dinheiro: é apenas com empregos comprometidos para as classes baixas. Assim se juntam nossos Engels com nossos Stalins. Assim o povo voltará a ter de fazer negócios e abrir pequenas empresas no livre mercado e teremos novamente “desigualdade” e risco de “desemprego”.

Dilma e o PT podem ser acusados de tudo, exceto de descumprir ou trair os ideais antigos do PT. A classe média, a antiga “burguesia”, continua devidamente expropriada, e todos nós continuamos tendo como opção inevitável, num governo petista, virarmos apertadores de parafuso sindicalizados. Com os movimentos sociais pregando isso na nossa cara.

O que acontece de fato neste momento no Brasil não é uma traição de ideais. É uma dissonância entre uma simbologia construída em torno de um projeto de sociedade (“trabalhadores! fim da desigualdade! moral social na política!”) e a realidade concreta que vem com tais discursos.

Não é uma “onda conservadora” que perpassa o Brasil: é a realidade reagindo a uma tentativa de mascará-la. Isto que torna alguém mais, digamos, reacionário. Ou seja, desconfiado de “salvadores” políticos.

O PT inteiro tentou e conseguiu se safar de seu projeto de compra de consciências e concentração de poder no Executivo, o mensalão, escorando-se tão somente no carisma de Lula para ganhar eleições – inclusive as duas de Dilma, já que ela, sozinha, não parece capaz de completar uma frase com sujeito, verbo e predicado.

Enquanto tal carisma acaba, restam apenas militantes os mais ferrenhos, inclusive os acadêmicos e jornalistas, a ainda acreditar no projeto petista – muitas vezes a soldo. Feministas, por exemplo: que não percebem a vergonha que é a primeira presidente do sexo feminino precisar tanto da figura de Lula para completar uma frase. Progressistas sofrem da Lei de Rothbard: são especialistas naquilo que menos enxergam.

A simbologia do PT ainda é afirmar que “lutaram contra a ditadura”, aquela que terminou há mais tempo do que durou. Quem ainda aguenta 50 livros sobre a ditadura lançados por mês? Quem ainda cai na esparrela de que os socialistas da década de 60 e 70 lutavam por um regime livre, de livre empreendimento e livres eleições, e não um totalitarismo cubanófilo que acaba mais gerando uma simpatia exagerada por militares, e não pelos socialistas?

Apenas militantes com lavagem cerebral. E estes cada vez mais estão distantes da população de carne e osso. Os militantes, por exemplo, adoram falar que José Dirceu “lutou pelo Brasil”, mas apenas conseguem se auto justificar diante de sua prisão – não convencer qualquer pessoa de que nossas liberdades políticas, hoje, sejam conquista de Dirceu.

Pelo contrário: se tivemos um regime de exceção (que saiu do poder sozinho, ao contrário do despotismo cubano, de quem Dirceu se considera “um ex-agente do Serviço de Inteligência”) foi justamente graças a pessoas como Dirceu, Lula e Dilma.

O apelo a uma “social-democracia” (embora o PT seja mais honesto no termo, e diga claramente “socialismo democrático”) foi o que fez o PT crescer já depois da redemocratização. Na oposição, estava sempre criticando o “livre mercado”, as “privatizações”, o FMI.

No poder, gabava-se de “tirar 40 milhões de brasileiros da miséria”, número que, como Lula admite entre risos, era inventado. Na verdade, apenas trocava o critério de contagem de pobres, como contar uma pessoa que receba R$291 por mês como de “classe média”. Nesta bricolagem embusteira, para atingir tais “números”, depois regurgitados pela militância como Verdades Morais Absolutas, chegaram a dar R$ 2 (sim, DOIS REAIS) para "tirar da miséria" 13 mil famílias.

A alquimia numérica pode durar um certo tempo, mas qualquer liberal sabe que não muito. Mesmo com o pouco apreço que nossa educação, jornalismo e cultura tenham pelos liberais, a conta desconfiada deles está sempre mais próxima da realidade.

Hoje vemos que a economia estatal do PT, seu desapreço pela livre iniciativa (a da “desigualdade”, que precisa ser corrigida e “regulada” pelo Estado) gerou os números de desemprego, PIB retroagindo, empresas falindo e todos precisando virar funcionários da Odebrecht para sobreviver. É ruim? É péssimo. Mas é exatamente o que o PT sempre pregou e apregoou.

Se o discurso de corrigir a “desigualdade” não convence mais, é porque a população, mesmo sem o conhecer (já que liberais não inventam, apenas descrevem a realidade), percebeu a lição de Friedrich Hayek: para um Estado ter controle sobre a sociedade, precisa de poder sobre a sociedade.

A cada nova desculpa do PT para não conseguir entregar o mundo dos sonhos, e prometer um novo PAC ou culpar a mídia e a classe média, os agentes estatais apenas estão querendo mais poder. E quanto mais problemas surgem, vão precisando de ainda mais poder para corrigir os problemas do meio do caminho, e a razão inicial – digamos, o combate à desigualdade ou alguma besteira de sociólogo do tipo – acaba até sendo ignorada.

Nada foi mais claro do descompasso entre discurso e realidade do PT do que a entrevista de Dilma à Folha, em que Dilma afirma que “não respeita delator”.

Ora, delatores, no caso, eram empreiteiros que lucraram com a “economia estatal” não-socialista (mas que “regula” o mercado com concessões e “investimentos” do governo em empresas) do PT. Dilma, que ainda tem uma simbologia de “eu luto contra a ditadura”, falava como se “delatores” fossem combatentes e terroristas presos que alcagüetassem os colegas. Sua retórica e a realidade têm um descompasso de meio século.

Sem conseguir mais vencer a realidade e a lei com carisma, sem o apelo do ideário socialista agora que as pessoas sabem o que estava além da Cortina de Ferro, sem a promessa do Eldorado do PT no poder, sem o discurso do controle estatal em nome da distribuição de renda e do combate à desigualdade, com seus figurões sendo presos e se considerando tão heróis que vestem toalhas de mesa como capas de super-heróis ao caminhar para o camburão (o que deveria ser a suprema notícia internacional do século XXI) e com a população agora até indo às ruas para mostrar seu repúdio, resta apenas ao PT ser uma mancha de vergonha para os petistas que acordarem para a realidade.

O PT, felizmente, deve acabar.





Por Flavio Morgenstern

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