terça-feira, 21 de julho de 2015

Suicídios políticos


O dito “anarcocapitalismo” rejeita a divisão entre direita e esquerda porque é ele mesmo uma mescla de capitalismo com marxismo cultural, e como todo híbrido é instável, inviável, estéril e inclassificável.


Vinte e tantos anos depois da queda do Muro de Berlim (1989), e do colapso da União Soviética (1991), a esquerda segue viva, e até mesmo em posição de domínio, na América Latina, Estados Unidos e em grande parte do mundo.

E por quê? Simples: porque a direita cometeu suicídio político. Uma força política pode suicidar-se de várias formas, e a direita escolheu o “igualismo”, que em inglês chamam de me-tooism (me too = eu também). No mercado é quando se lança uma oferta igual ou muito similar a da concorrência. Um equívoco grosseiro: a arte comercial consiste em distinguir-se, não em igualar-se; porque se há originais, ninguém quer cópias.

Negar a vigência ou até mesmo a validade do espectro esquerda-direita é um erro, e mais ainda: uma fraude, que é parte da grande farsa da esquerda, porque essas são as categorias básicas e universais na política, assim como norte e sul, homem e mulher, capitalismo e socialismo, positivo e negativo. Direita e esquerda se opõem em suas promessas básicas porque derivam de visões contrárias da sociedade humana. Quais são? Abraham Kuyper (1837-1920), teólogo calvinista que foi primeiro ministro na Holanda, as explicou assim:

(1) A direita defende a ordem social descentralizada: a família, a economia, a educação, a ciência, arte, cultura e religião são “esferas separadas” do Estado. E o governo somente garante segurança, justiça e obras de infraestrutura, com imposto moderados e com percentuais iguais; ele não se “assenhora” das instituições próprias de cada esfera, cada uma delas “soberana” sobre si. Porém, há uma direita má, o mercantilismo ou “capitalismo de compadres”; e uma direita liberal, que é a boa direita.

(2) A esquerda tem seu plano de reforma para a sociedade inteira, que não se limita a “redistribuir a riqueza” na ordem econômica, como propõe o social-comunismo; essa é só uma isca para gananciosos incautos, e é a parte visível do iceberg. Seu programa inclui abolir a propriedade privada, a família, a religião e o Estado (ao menos como o conhecemos); e para isso exige a subversão da ordem, e a escravidão de todas as esferas ao reino político, e a um governo central, dando um giro radical e “total” (isto é, totalitário) na sociedade, uma “mudança segundo um plano”, chamado “Revolução”. E há uma esquerda má: o socialismo dito “democrático”; além de uma esquerda ainda pior: o nazicomunismo.

(O dito “anarcocapitalismo” rejeita a divisão entre direita e esquerda porque é ele mesmo uma mescla de capitalismo com marxismo cultural, e como todo híbrido é instável, inviável, estéril e inclassificável).

Contra o propósito (ou despropósito) da esquerda, Kuyper fundou, ao final do século 19, um partido, obviamente de direita, que chamou de “Anti-Revolucionário”. Ele ganhou sua primeira eleição em 1901, e depois disso quase todas as demais, até que começou a imitar os socialistas em suas promessas, e desapareceu. O mesmo aconteceu em outros países europeus. E nos Estados Unidos, que desde 1968 até agora, de onze eleições para presidente o Partido Republicano chegou a ganhar sete com propostas claramente de direita, e perdeu quatro com propostas “igualistas”, em 1976, 1992, 1996 e 2008. Esse fato se repete em eleições para parlamentares e em nível local.

E por quê? Fácil: porque em toda parte sempre há: (1) a “minoria barulhenta” que vota na esquerda; (2) a “maioria silenciosa” ou trabalhadora, de família ou empresária, que vota pela direita, quando há, e se as propostas são liberais e atrativas; e (3) os iludidos, que nem sequer fazem ideia da situação em que se encontram.

E na nossa América Latina? A direita fracassa porque apresenta candidatos mercantilistas, incompetentes e personalistas, com ofertas igualistas. Em muitos países a direita se suicidou ou sumiu, e agora a rivalidade é entre a esquerda branda e a radical, e quase sempre a radical vence, como é lógico quando não há um desafio à matriz de opinião dominante, que é contra o capitalismo e a favor do socialismo.

Há espaço para a direita liberal na América Latina? Muito. A classe média independente, ou seja, técnicos e profissionais que não dependem do governo. E a burguesia informal, ou seja, o setor privado clandestino (mercado negro). E muita gente dependente do governo, mas que acredita que seria muito melhor fazermos as Cinco Reformas, que por certo não são patrimônio exclusivo dos liberais: às vezes elas são postuladas por especialistas não liberais, embora intelectualmente honestos, do FMI e do Banco Mundial, ainda que por iniciativa individual, com o nome de “reformas micro-econômicas” ou “reformas de segunda geração”.

Porém, deparamos com o suicídio político e econômico dessa classe média e da burguesia incipiente, que vota na esquerda e depois promove gigantescas manifestações de rua, cem por cento inúteis por se tratar de “diretismo”; ou seja, sonhos de uma democracia “direta” ideal, não real. O socialismo ideal é uma utopia na economia, tal como o “diretismo” na política, dizem autores não liberais, porém inteligentes e eruditos (como Giovanni Sartori), o qual serve aos fins da esquerda, por isso a promove. A maioria silenciosa se ocupa de sua casa e de seu trabalho, e não tem tempo para atividade política, nem para investigar as ciências políticas; por isso deve confiar em seus representantes legítimos, e na democracia “indireta” ou representativa, que é sua garantia de independência, e de sobrevivência.

A classe média é vítima dos veteranos profissionais do socialismo e de seus enganos: a partidofobia e a antipolítica. Ela investe cega contra a representação política, porque os embusteiros da politicagem e os charlatões da mídia lhe dizem que os iPhones, o Twitter e o Facebook, e as marchas “indignadas” substituem a democracia representativa com seus partidos.

Ilusões; porém trágicas, visto que levam ao suicídio.






Por Alberto Mansueti
Advogado e cientista político.

Texto originalmente publicado no jornal boliviano El Día.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho

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