sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A gangsterização do petismo


É cruel acompanhar a catástrofe petista que, como tragédia grega, já se sabe como acabará, mas não há como evitá-la. Aos 35 anos de vida, em plena maturidade, o partido que um dia se arvorou ser imaculado vive o drama da desmoralização provocada por escândalos e desmandos em série, cujos protagonistas estão entre fundadores e dirigentes.

Quem se recorda dos primeiros anos da legenda, quando atraía o interesse de intelectuais, jornalistas, estudantes e desiludidos de outras agremiações, com propostas de moralização, justiça social, erradicação da pobreza, não compreende o que aconteceu com pessoas antes respeitadas, hoje condenadas ou alvo de investigações e ações criminais por crimes infamantes.

Uma das mais interessantes iniciativas do velho PT consistiu na fundação de escola de formação política no município de Cajamar (SP). Nessa espécie de internato, membros selecionados aprendiam a fazer política e a ser candidatos. Acredito que desenvolviam a técnica de se conservarem mudos, sisudos, deemprestar tom de gravidade a tudo que diriam, a arte da demagogia e como refutar acusações mesmo quando confrontados com evidências esmagadoras.

Cuidados com a aparência eram considerados essenciais. Nada que viesse a confundir petistas com representantes da burguesia. Exceções poderiam ser toleradas entre advogados, professores universitários e reduzido grupo de pequenos empresários que aderiram de forma oportunista ao partido, aos quais se permitia o uso de paletó e gravata.

Alegar ignorância de fatos comprometedores, dizer não sei, nada soube, jamais fui informado, desconheço, com fisionomia impassível e semblante conspícuo, deve ter feito parte do currículo escolar e requisito para galgar a posição de dirigente. Barbas malcuidadas, camiseta, bonezinho, mochila, completavam o perfil de dirigentes e militantes que faziam questão de ostentar pobreza.

Os primeiros anos de petismo se caracterizaram pela violência. Greves selvagens, arruaças, invasões de fábricas, depredações, compunham o cardápio diário de atividades, em aberta hostilidade ao estado democrático em processo de criação.

A chegada ao poder em 2002 revelou a verdadeira face do partido. Empenhados em não aceitar alternância no poder, cuidaram de abrir caminhos para a concretização de projeto de continuidade na Presidência da República.

Na visão do PT, não bastariam quatro, oito, 12 anos de governo. Preparava-se para algo maior, como cinco, seis, oito mandatos. Para isso, entretanto, seria obrigatório contar com majoritária e submissa base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, fartos recursos financeiros, articuladores, marqueteiros e operadores para arrecadar dinheiro, negociar com grandes empresários, abrir contas no exterior.

Propostas anteriores de reformas foram abandonadas e deram lugar à gastança desenfreada e a medidas assistencialistas. Uma das bandeiras do PT, em associação com a CUT, consistia na eliminação do peleguismo, mediante legislação destinada a democratizar e moralizar a estrutura sindical. O fracasso do Fórum Nacional do Trabalho, solenemente instalado no primeiro mandato do presidente Lula, serviu de pretexto para se esquecerem do assunto. Em vez disso, foi concedido financiamento a fundo perdido às centrais sindicais, beneficiadas pelo FAT e 10% da Contribuição Sindical obrigatória, dinheirama da qual foram dispensadas de prestar contas.

Em 2004, muito antes do mensalão e da Operação Lava-Jato, o jornalista Fernando de Barros e Silva, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, edição de 28 de junho, página A-2, registrou: “A gangsterização do petismo é o fenômeno mais relevante da política brasileira nos últimos anos”. E acrescentou: “Petistas, aprendizes de feiticeiros cujo pragmatismo vai empilhando cadáveres no cemitério da ética”.

Os fatos aí estão, no 35º aniversário do PT, para confirmá-lo. Quando alguns fundadores e principais dirigentes se encontram condenados ou sendo indiciados e conduzidos coercitivamente para prestar depoimento na Polícia Federal, nada há para comemorar.

Descarte-se, todavia, a infeliz ideia do impeachment. A presidente Dilma foi eleita, embora por escassa maioria, e deve ir até o fim do mandato. Retirá-la, como propõem alguns desavisados(*), lançaria o país em crise de proporções inimagináveis. Deixe-se o tempo executar o trabalho. À oposição cabe o papel de fiscalização, dentro dos rígidos limites da Constituição e da lei, e se mobilizar para 2018.





Por Almir Pazzianotto

Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho



(*) Nota do editor: Não cremos que um processo de impeachment contra um presidente é algo que não deva ser procedido, desde que respeitados os ritos político e jurídico. Manter um presidente que se enquadra dentro de uma situação dessas, "cozinhando-o em fogo brando", pode servir a muitos, mas não à sociedade brasileira. Por outro lado, a impunidade não é um bom exemplo para o cidadão e,ninguém está acima da lei.   

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