terça-feira, 22 de setembro de 2015

E se você fosse o governo brasileiro agora?



Seu filho não quer cortar gastos, sua mulher não aceita contribuir mais com o orçamento da casa. Há uma solução, mas ela exige que você reveja antigos preconceitos


Pois é, a coisa está feia. Já faz um tempo que você avança no cheque especial. Gasta mais do que recebe e, para piorar, sua lojinha vem arrecadando menos todo mês. Para piorar um pouco mais, o agiota que compra as suas notas promissórias já está desconfiando da sua reputação de bom pagador. Na tentativa de acalmá-lo, você promete quitar a dívida com juros mais altos, e assim a bola de neve vai aumentando.

Bate um arrependimento, né? Estava indo tudo tão bem. Mas nos últimos quatro anos você esculhambou o orçamento. Gastou mais em casa, se encheu de funcionários, facilitou o crédito para os clientes e deu empréstimos meio malucos. Esperava que outras pessoas da cidade tomassem a mesma atitude e comprassem mais na sua lojinha de material de construção. Não deu certo. Você se endividou, eles também.

O jeito é sentar e pensar em soluções. A primeira é cortar gastos, mas isso causa uma reclamação danada em casa. Seu filho se acostumou com Negresco – não quer mais saber de Mabel. Se diminuir a mesada da sogra, a coitada morre de fome. A escola dos seus filhos e o plano de saúde já não são uma maravilha – sua mulher vive dizendo que é preciso investir mais em saúde e educação. Se você cortar gastos nessas áreas, é capaz dela pedir o divórcio. Para diminuir as despesas, é preciso ter pulso firme e assumir uma postura de mau. Mas você conquistou a patroa jurando ser o cara mais bonzinho do mundo.

A segunda alternativa é pedir para a família ajudar um pouco mais. Difícil. Sua filha trabalha o dia todo, ganha uma miséria e está cansada de contribuir com 40% do salário. Sua mulher reclama que você já exige muito da família, gasta demais com si próprio e dá muito pouco em troca. Se você insistir na ideia, é capaz dela se mudar para Miami e levar todo o dinheiro para aquele morenão charmoso de quem você morre de ciúmes.

Apesar do risco, você joga o assunto na mesa. Todos dizem que a chance de aprovar a nova alíquota é ínfima. “Mas é só uma contribuição provisória”, você insiste. Eles fazem “não” com a cabeça. “Juro que é provisória”, você diz, quase chorando. Eles não acreditam mais em você.

Quando tudo parecia sem saída, você vislumbra uma alternativa viável: vender a casa de praia! Com o dinheiro da venda do sobrado no Guarujá, você poderia quitar parte da dívida. E ainda se livraria de todas as despesas de manutenção do sobrado. Não precisaria mais aturar aquele picareta do caseiro, que de vez em quando inventa a necessidade de reformas só para cobrar propina do pedreiro e do encanador. Tem mais. Os possíveis compradores da sua casa fariam uma boa reforma – e comprariam os materiais na sua lojinha. Eles ainda prometem pagar a você, em forma de royalties e outras obrigações, uma porcentagem do dinheiro que conseguirão alugando o sobrado durante a temporada. Pronto, achamos uma solução. Bora vender a casa de praia!

Eu sei, tem um problema. Sua família adora o sobrado no Guarujá. Tem o maior carinho por ele. Anos atrás, quando você pensou em vendê-lo para uns estrangeiros, seu filho surtou e passou anos gritando “o sobrado é nosso!”. Ainda acusou você de querer dilapidar o patrimônio da família e entregar aos gringos uma riqueza tão valiosa. Mas veja: em tempos de crise, é preciso ter maturidade e virar a página ideológica. A venda do sobrado no Guarujá ainda impressionaria o agiota, e você, com mais credibilidade, poderia emprestar dele com juros menores. Vai por mim: é a melhor opção.

Ouvi dizer que você está cogitando fingir que está tudo bem, continuar gastando e empurrar o problema para frente. Quando der tudo errado, você semearia o conflito em casa. Diria a sua filha que a culpa é toda do irmão dela, aquele integrante da elite rentista que tem horror aos pobres. Convenceria a sua mulher que a ganância do agiota causou os problemas em casa. Quando todos estiverem em guerra, você sairia de fininho e apagaria a luz.

Por favor, não faça isso. Deixe de onda e venda logo a casa de praia.




Por Leandro Narloch

Nenhum comentário: