sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Totalitarismo, o culto do Estado e a liberdade do evangelho


                         O comunismo cresceu graças a uma maciça apostasia dos cristãos.1


1. Modelos políticos
Ao tratar-se de modelos políticos, fala-se de espectro político, que é o conjunto de posições políticas representadas em um país ou localidade. A classificação das correntes políticas geralmente se faz através da sua localização em um ou mais eixos, cada um representando um aspecto da política.2 Isso é ilustrado pelo diagrama abaixo, que mostra onde está situada uma pessoa, um partido político ou um governo no que diz respeito ao seu ideário político.3
   


Um primeiro modelo político é apresentado no gráfico abaixo, que ilustra as ênfases estatizantes e intervencionistas associadas à posição esquerdista, como no comunismo e no nazismo. Nesse modelo, há pouca ou nenhuma liberdade individual e econômica. O estado ou partido ganha uma dimensão transcendente, agindo para estender seu domínio ideológico sobre todas as esferas da sociedade:




O estatismo é o cerne da esquerda; e o conceito de estatismo é mais amplo que a mera ausência de eleições livres e “democracia”. Portanto, em última instância, tanto o comunismo como o nazismo são socialismos, sendo o primeiro um socialismo de classe e internacional; e o segundo, um socialismo étnico e nacionalista.

Um segundo modelo é ilustrado no gráfico abaixo, que resume os ideários políticos associados à posição direitista, em que se privilegia a liberdade individual e econômica e a garantia dos direitos individuais, sendo os limites o respeito à vida, à propriedade e à liberdade dos demais:





Esses dois gráficos delineiam os dois principais lados em disputa no espectro político, especialmente desde antes da II Guerra Mundial, mas que se tornaram proeminentes no Pós-Guerra. Obviamente, há várias gradações partidárias entre a esquerda e a direita. À esquerda podem ser associados o comunismo, o socialismo e o nazismo. A centro-esquerda, a social-democracia (também conhecida como a “terceira via”) e a centro-direita são consideradas de centro. O conservadorismo e o liberalismo econômico, que defendem a liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, são associados à direita.4

Um dado importante é que a direita, ou liberalismo, não é apropriadamente representada por nenhum dos 32 partidos que existem atualmente no Brasil. Todos os principais partidos políticos brasileiros são esquerdistas e/ou antiliberais. Uma amostra ajuda a visualizar o atual quadro político na nação:5

PCB – extrema-esquerda leninista
PCdoB – extrema-esquerda leninista/stalinista
PSC – centro-direita
PSD – centro
PSTU – extrema-esquerda leninista/trotskista
PT – esquerda gramsciana
PSDB – centro-esquerda
DEM – centro-direita
PMDB – centro
PDT – centro-esquerda
PPS – centro-esquerda
PSOL – extrema-esquerda leninista/trotskista
PP – centro
PTB – centro-esquerda
PV– centro-esquerda

Portanto, no Brasil as antípodas “direita” e “extrema-direita” são substantivos abstratos, que só existem nos devaneios meio paranoicos das esquerdas. E num cenário em que a ampla maioria dos partidos é de esquerda, de extrema-esquerda ou lhes dá apoio aberto, um dado irônico surge nos debates sobre política: quando pressionados a mostrar resultados concretos, os esquerdistas precisam destacar certos sucessos da social-democracia europeia, mas não perdem oportunidade de atacar a centro-esquerda brasileira, rotulando-a de “direitista”, “conservadora” ou “reacionária”.

Como já tratado no ensaio Espectro político, mentes cativas e idolatria, a mentalidade esquerdista é binária. Estes só conseguem pensar em termos simplificados de esquerda e direita. Com isso, o esquerdista não sabe localizar no debate político, por exemplo, o libertarianismo e os regimes militares autoritários, que compõem os outros ângulos opostos do espectro político.

2. Nazismo e comunismo
Muitos ficam chocados com a ideia de qualificar o nazismo como parte da esquerda. Na mentalidade esquerdista, toda e qualquer ditadura que tenha se oposto à esquerda é imediatamente rotulada como “fascista”, “extrema-direita” ou até mesmo como “direita”, sem maiores precisões. Só que à luz das definições de direita e esquerda oferecidas acima torna-se um exercício fútil querer enquadrar o nazismo como uma radicalização da direita ou da democracia liberal.

Para aqueles que acham que o nazismo e o comunismo são sistemas diametralmente opostos, impõe-se o desafio de, a partir de fontes primárias (como os Arquivos Públicos da Antiga União Soviética) e de fontes secundárias abalizadas, mostrar as dissimilaridades entre os dois sistemas.6 Contudo, o que fica patente no estudo comparado das duas sociedades são as similaridades, tanto teóricas como empíricas. E várias das características da sociedade nazista apontados no ensaio anterior estavam presentes na sociedade soviética, que a precedia historicamente. Pode-se, aqui, acrescentar outras semelhanças entre os dois totalitarismos: a coletivização que almeja suprimir a individualidade, a “propaganda totalitária” (Hannah Arendt) e a estética de massa, o direito de extirpar por meio da violência política o “princípio maligno” que impede a chegada da sociedade perfeita (Alain Besançon), o uso dos campos de concentração,7 a criação do “novo homem” por meio da reeducação ideológica, o militarismo, o nacionalismo8 e o antissemitismo.9

Na “construção do socialismo”, entre 1932-1933, cerca de 6 a 7 milhões de camponeses da Ucrânia, do norte do Cáucaso e do Cazaquistão foram mortos de fome, por causa de um programa de industrialização forçada, que implicou a “coletivação da agricultura”. O genocídio ucraniano é conhecido como Holodomor(“matar pela fome”). No Grande Expurgo de 1934-1938 cerca de um milhão de supostos “opositores políticos” foram assassinados pelo NKVD (Comissariado do povo para assuntos internos), aniquilando a “velha guarda bolchevista”. Em 1953, ano da morte de Stalin, havia quase 2,5 milhões de prisioneiros em campos de concentração (Gulags). E, por causa da morte do ditador, os planos para a transferência forçada dos judeus das áreas industriais da União Soviética para campos de concentração na Sibéria e no Cazaquistão foram abortados. Deve-se enfatizar que o genocídio em massa perpetrado pelo Estado totalitário é um dos produtos da própria ideologia revolucionária.10 Mas, em flagrante contraste com o nazismo, “nenhum responsável por esses crimes contra pessoas inocentes foi julgado depois que a União Soviética se desfez; na verdade, sequer sofreram o desmascaramento ou opróbrio moral e continuaram a levar uma vida normal”.11

Para ilustrar as convergências de discurso entre nazistas e comunistas, podemos citar algumas frases de Adolf Hitler, dirigente do Partido Nacional-Socialista (NSADP), que se tornou chanceler da Alemanha em 1933. Em um discurso proferido em 1º de maio de 1927 ele disse:

Nós somos socialistas, nós somos inimigos do atual sistema econômico capitalista para a exploração dos economicamente fracos, com seus salários injustos, com sua indecorosa avaliação do ser humano de acordo com a riqueza e a propriedade em vez de sua responsabilidade e desempenho, e nós estamos todos determinados a destruir esse sistema sob todas as condições.12

Em uma entrevista concedida em 1934 ele afirmou:

‘Por que’, perguntei a Hitler, ‘o senhor se diz um nacional-socialista, já que o programa do seu partido é a própria antítese do que geralmente se acredita ser o socialismo?’

O socialismo’, replicou ele agressivo, deixando de lado a xícara de chá, ‘é a ciência de lidar com o bem estar geral. O comunismo não é o socialismo. O marxismo não é o socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Vou tirar o socialismo dos socialistas. O socialismo é uma antiga instituição ariana e alemã. Nossos ancestrais alemães tinham algumas terras em comum. Cultivavam a ideia do bem-estar geral. O marxismo não tem direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, diferentemente do marxismo, não repudia a propriedade privada. Diferentemente do marxismo, ele não envolve a negação da personalidade e é patriótica. (...) Não somos internacionalistas. Nosso socialismo é nacional. Exigimos o atendimento das justas reivindicações das classes produtivas pelo Estado com base na solidariedade racial. Para nós, o Estado e a raça são um só.’13

Por isso é que, no começo da década de 1930, o Partido Social Democrata (SPD), um dos sustentáculos da República de Weimar, adotou a noção de que “vermelho é igual a pardo”, ao se referir aos comunistas e nazistas.14 Kurt Schumacher, do SPD, disse na mesma época que os comunistas eram “nazistas pintados de vermelho”, e que os dois movimentos possibilitaram um ao outro.15 Em outras palavras, os social-democratas alemães compreenderam que os dois totalitarismos eram um real perigo à democracia liberal.

Em agosto de 1939 alemães e soviéticos assinaram um tratado de não agressão, o Pacto Molotov-Ribbentrop, que incluía a partilha da Polônia. Em 1º de setembro de 1939 a Segunda Guerra Mundial começou, com a invasão alemã da Polônia, o que acarretou uma declaração de guerra anglo-francesa. Duas semanas depois, os soviéticos invadiram a Polônia, para “assegurar a parte de Stalin no butim”. Consequentemente, “a aliança de Stalin com Hitler levou muitos comunistas europeus, obedientes a Moscou, a se distanciarem da posição (...) [da Inglaterra e da França] contra os nazistas”. Esta postura durou até a invasão alemã da União Soviética, em 22 de junho de 1941. Até este momento, comunistas e nazistas tinham um pacto, e as duas ditaduras eram vistas por governos ocidentais como inimigas da democracia.16

Talvez as primeiras obras que destacaram a similaridade entre os dois sistemas foram O caminho da servidão (1944), de Friedrich Hayek, e Origens do totalitarismo (1951), de Hannah Arendt. Entre 1986-1989, a comparação entre o nazismo e o comunismo provocou uma longa controvérsia na Alemanha, na chamada “briga dos historiadores” (Historikerstreit).17 Entre os que defenderam a posição exposta neste ensaio estavam: o filósofo Ernst Nolte, com o apoio do jornalista Joachim Fest, do filósofo Helmut Fleischer e dos historiadores Klaus Hildebrand, Andreas Hillgruber, Rainer Zitelmann, Hagen Schulze, Thomas Nipperdey e Imanuel Geiss. De acordo com Ernst Nolte, a Alemanha nazista seria uma “imagem espelhada” (mirror image) da União Soviética socialista.18 Entre 1995-1997, o historiador francês François Furet, ex-militante do Partido Comunista Francês (PCF), numa troca de cartas com Nolte, apoiou-o, chamando o nazismo e o comunismo de “gêmeos totalitários” (Totalitarian twins), e afirmando a existência de um “nexo causal” (kausale Nexus) entre os dois totalitarismos.19 A avaliação final do debate foi assim resumida por Norman Davies:

Nos anos 1990, muitos dos argumentos iniciais tornaram-se redundantes. Quando vozes russas se juntaram às persistentes condenações do sistema soviético, a maioria dos seus antigos defensores perdeu o ímpeto. A publicação, em 1997, de O livro negro do comunismo, compilado por uma equipe de desiludidos comunistas franceses e europeus do Leste, mostrou-se irrefutável. A partir daí, os crimes soviéticos figuraram na agenda ao lado dos crimes nazistas.20

Em outras palavras, as revelações das barbaridades soviéticas após a queda do comunismo na Europa Oriental, entre 1989-1991, e o fim de um muro de censura praticamente total, desacreditaram os críticos de Nolte e de seus colegas.21 E o veredito de Richard Piper é preciso:

O comunismo fracassou e está fadado a fracassar por duas razões: a primeira é que para a igualdade vigorar, seu principal objetivo, é necessário criar um aparelho coercivo que demanda privilégios e, consequentemente, nega a igualdade; a segunda é que fidelidades territoriais e étnicas, quando em conflito com a fidelidade a uma classe, em todo lugar e em qualquer época, vencem de forma esmagadora, dissolvendo o comunismo em nacionalismo, daí o socialismo se combinar, tão facilmente, com ‘fascismo’.22

Após a queda do comunismo, foram criadas instituições de pesquisa que se concentraram na análise comparada do nazismo e do comunismo: o Hannah-Arendt-Institut für Totalitarismusforschung (Instituto Hannah Arendt para a Pesquisa sobre o Totalitarismo), fundado em 1993 na Alemanha, o Instytut Pamięci Narodowej (Instituto da Memória Nacional), fundado em 1998 na Polônia, e o Ústav pro studium totalitních rezimů (Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários), fundado em 2007 na República Tcheca.

Em junho de 2008, na conferência “Consciência europeia e o comunismo”, realizada em Praga, na República Tcheca, vários intelectuais europeus prepararam a Declaração de Praga sobre Consciência Europeia e Comunismo.23 A partir daí, a União Europeia e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) têm tratado o nazismo e o comunismo como duas formas comparáveis de totalitarismo, denunciando seus muitos crimes contra a humanidade. Desde então têm sido realizados esforços crescentes para conectar os dois totalitarismos em museus, monumentos públicos, dias comemorativos e eventos na Europa. E a data de 23 de agosto foi estabelecida como o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Stalinismo e do Nazismo.

Um documentário seminal foi lançado em 2008, The Soviet Story (A história soviética),24 abordando o comunismo na União Soviética e as relações germano-soviéticas, o genocídio ucraniano, o Grande Expurgo, o massacre dos oficiais poloneses em Katyn, a colaboração do NKVD soviético com a SS nazista, as deportações em massa na União Soviética e as experiências médicas nos Gulags.25

Por fim, durante a Guerra Fria foram produzidas algumas obras que são leitura obrigatória para formar uma mentalidade crítica frente ao totalitarismo: O zero e o infinito (1941), de Arthur Koestler; A revolução dos bichos (1945) e 1984 (1949), de George Orwell; Mente cativa (1953), de Czeslaw Milosz; Arquipélago Gulag (1973), de Aleksandr Solzhenitsyn; e Cartas a Olga (1988), de Vaclav Havel.

Mas não foram apenas filósofos e historiadores europeus que notaram os vínculos entre os dois totalitarismos. Teólogos europeus conectados com a tradição reformada também notaram as similaridades entre nazismo e comunismo. Karl Barth foi um dos mais importantes líderes da “luta pela igreja”(Kirchenkampf), quando o partido nazista tentou controlar a igreja evangélica na Alemanha.26 Ele foi expulso daquele país em 1935, voltando para a Suíça, de onde escreveu, em 1939:

As características do nacional-socialismo (...) são idênticas às do comunismo. Uma das maiores mentiras da história universal consiste em pretender que o nacional-socialismo salvou a Alemanha e a Europa do comunismo. O nacional-socialismo é, pelo contrário, a forma alemã do Bolchevismo, e poderá tornar-se a forma europeia ocidental. Nacional-socialismo e comunismo não são senão irmãos inimigos, e sua hostilidade explica-se por esta razão.27

Barth ingressou no Partido Social Democrata da Suíça (SP), em 1911. E, ao lecionar na Alemanha, ingressou no Partido Social Democrata (SPD) daquele país, em 1932. Então, ele basicamente repetiu o mesmo entendimento que políticos do SPD tinham sobre o comunismo e o nazismo. Mas, em meados de 1944, ele atenuou sua posição, não tomando partido sobre a União Soviética, agora aliada das potências ocidentais. Ele manteve esta posição durante o restante de sua carreira.28 Mas a inocência e o acanhamento com que Barth tratou o totalitarismo comunista, durante a Guerra Fria, gerou uma amarga controvérsia com Reinhold Niebuhr e, especialmente, Emil Brunner, que lhe respondeu nos seguintes termos:

Embora a doutrina comunista pareça conter certos postulados de justiça social, o nacional-socialismo e o bolchevismo são apenas variantes diferentes da mesma espécie: o totalitarismo. Minha pergunta é, pois, a seguinte: a Igreja não deverá dizer um ‘não’ convicto, absoluto e inequívoco ao totalitarismo? (...) [Pois] o Estado totalitário é, eo ipso, injusto, desumano e ateu. (...)

O Estado totalitário consequentemente deve ser ‘comunista’, pois é inerente à sua natureza uma sujeição da totalidade dos homens e da vida. A questão que se coloca à Igreja não é saber se deve recusar o ‘comunismo’, mas se deve dizer um ‘não’ fundamental ao Estado totalitário. (...) [Logo] o Estado totalitário significa a negação dos direitos do homem, ou seja, a perda dos direitos originais que lhe haviam sido conferidos por Deus quando da criação. O Estado totalitário é, pois, ateu e antidivino per definitionem, pois reivindica para si a totalidade do homem. É de sua essência, fundamentalmente ateia e antidivina, que decorrem todas as atrocidades do totalitarismo. (...)

Dizer que o Estado totalitário comunista cumpre certos postulados sociais que o cristão pode aprovar é repetir o mesmo discurso que se fez, antigamente, sobre o nacional-socialismo, quando se desejava que os cristãos aprovassem o regime devido às suas ‘magníficas conquistas sociais’. Mas não sabemos, como cristãos, que o diabo dá sempre um jeito de misturar à mentira elementos de verdade?29

Este parágrafo final de Brunner é quase o eco do que Dietrich Bonhoeffer escreveu a seus colegas da resistência, Eberhard Bethge, Hans von Dohnanyi e o major-general Hans Oster, no final do ano de 1942:

O grande baile de máscaras do mal confundiu todos os conceitos éticos. Para a pessoa que vem de nosso universo conceitual ético tradicional, é realmente desconcertante que o mal possa tomar a forma da luz, da ação beneficente, da necessidade histórica, da justiça social. Para a pessoa cristã que vive a partir da Bíblia, isto justamente é a confirmação da maldade abissal do maligno.30

Em outras palavras, é “a confirmação da maldade abissal do maligno” a diminuição das desigualdades sociais ao custo do rebaixamento dos valores democráticos liberais. A incapacidade de Barth de discernir a malignidade do comunismo tornou-se trágica, quando se toma conhecimento do terror que era viver nos países do leste europeu no Pós-Guerra.31

3. Uma religião política
Boris Yeltsin, o primeiro presidente a ser eleito democraticamente na Rússia, em junho de 1992, afirmou: “O mundo pode respirar aliviado. O ídolo do comunismo, que espalhou por toda parte a rivalidade social, a animosidade e brutalidade sem paralelos, que instilou medo na humanidade, desabou. Desabou para nunca mais se reerguer”.32 Infelizmente, esta idolatria do poder e do controle foi redescoberta na América Latina – que se tornou a vanguarda do atraso por não aprender as “duras réplicas da história” (Norberto Bobbio).

Além da mentalidade binária, outro aspecto do esquerdismo é que este só tolera críticas ao partido-Estado em dois casos: ou se vierem de seus próprios quadros, ou se alvejarem igualmente “o outro lado”, ou seja, a direita – de representação inexistente no Brasil. Esta seria uma prova de suposta “neutralidade” política, uma noção epistemológica profundamente ingênua e moralmente errada. Esta “isenção” no debate é apenas um jeito de ficar do lado do dono do muro. Na verdade, isso ocorre porque o esquerdismo não aceita a pluralidade partidária, a alternância de poder ou o dissenso. Toda voz discordante do esquerdismo deve ser regulada, barrada, proibida quando possível ou ridicularizada e marginalizada.

Outra variante do argumento é que se houver crítica à esquerda, deve-se também forçosamente criticar o mercado, o capitalismo ou o “imperialismo” – em outras palavras, criticar os Estados Unidos ou Israel. De qualquer forma, esta é mais uma variante da ideia de uma suposta neutralidade ou isenção política. Nenhuma cidade dos homens é livre de pecado e miséria. Mas qual o efeito real da denúncia, a partir do Brasil, de erros ou pecados de países da Europa ocidental, de Israel ou dos Estados Unidos? Ironicamente, tal discurso voltado àqueles países é incoerente, vindo de esquerdistas que, para defender regimes totalitários na América Latina, Ásia, África e Oriente Médio, gritam estridentemente sobre a “autodeterminação dos povos”.33

Enquanto isso, os pecados estruturais do Brasil estão diante de todos. A violência fugiu do controle, com os números de mortos por arma de fogo aumentando ano a ano;34 o aparelho estatal é brutalmente incompetente e corrupto; por meio de um tributarismo feroz, o Estado arrecada quase 40% da renda média de um brasileiro; o serviço público oferecido é medíocre e ineficiente; e não há governo onde se precisa.35Grita-se contra os pecados de outros países, sussurra-se – quando muito! – sobre os pecados presentes na estrutura brasileira, iniquidades estas que impedem o crescimento do país, com mais segurança e melhor distribuição de renda. Isso acontece porque, ainda que esquerdistas se vangloriem de seu comprometimento teórico com os pobres, os resultados reais do socialismo são o incremento da pobreza.36

O discurso religioso da esquerda é um gnosticismo (Alain Besançon, Eric Voegelin), que pode ser resumido da seguinte forma: o mal é visto exclusivamente no outro, eliminando do ser humano toda e qualquer capacidade de se reconhecer pecador e responsável pelo mal. Para esta mentalidade, o mal só é discernível se vier de simpatizantes da direita, do conservadorismo ou de anglo-saxões. Almeja-se uma salvação coletiva terrena por meio de esperanças revolucionárias e violentas, o que torna o “entendimento político impossível”, pois não se “aceitará nenhum desvio da verdade absoluta de sua revelação secular”, o que ocasionará “guerras civis, a extirpação dos ‘reacionários’, e a destruição de instituições sociais benéficas”. Portanto, as igrejas tradicionais são pesadamente criticadas, pois o que se quer é debilitá-la em seu papel de contrabalançar o Estado. A família tradicional também é atacada, pois esta é um bastião de lealdade separado do Estado, logo, uma inimiga do totalitarismo político. O esquerdista não vê a política como “a arte do possível”, mas “como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo a natureza humana”,37 crendo na noção de que o Estado é o instrumento redentor de Deus, e o coletivismo é uma nova ordem sancionada por Jesus.38 Com isso, toda a tradição cristã de pecado é eliminada, e com esta também é suprimido o ensino bíblico da redenção graciosa por meio da morte vicária e ressurreição de Cristo Jesus.

Para os religiosos de esquerda todo socialismo que existiu não é o “verdadeiro socialismo”, mas crê-se que a defesa intransigente desta ideologia trará o “outro mundo possível”. Tudo isso decorre da rejeição da fé na providência de Deus, e da aceitação como axioma da lógica dialética e da história como a manifestação da luta de classes. Deste modo, religiosamente, classificam automaticamente tudo que os chocam como “herança do passado”, e tudo do que gostam como “sementes do futuro”, por meio de uma “máquina organizadora em sua mente” (Arthur Koestler). Não poderia ser diferente, caso contrário admitiriam que o socialismo como fé religiosa fracassou espetacularmente. O esquerdismo, portanto, deve ser tratado como uma “religião invertida”, construída “sobre mentiras” (Václav Havel).

Se o verdadeiro e justo sistema político e econômico ainda está muito longe de vir, como cristãos, devemos ter a certeza que este estará sustentado nos verdadeiros direitos e deveres naturais do ser humano e jamais na violência, seja ela de que tipo for.

4. “A palavra de Deus não está algemada”
Mesmo em suas representações ideais, nenhuma corrente política, seja de esquerda ou de direita, liberal ou antiliberal, pode ser associada à posição bíblica. Porém, é necessário lembrar que as Escrituras, do começo ao fim, tratam de política.

Na história de Israel, no Antigo Testamento, há histórias de reis e rainhas, uns “andando nos preceitos de Davi” (1Rs 3.3), muitos outros corruptos e infiéis. Há intrigas palacianas, golpes de estado sangrentos, transições políticas conturbadas, acordos sociais e alianças espúrias. Há tanto a perspectiva dos profetas, que exigem em nome de Deus conformidade à aliança, quanto o ponto de vista dos reis e dos palácios. No exílio babilônico, os sobreviventes da destruição de Judá, que temiam ao Senhor Deus, não se dobraram diante da “imagem de ouro”, símbolo de uma realeza que almejava lealdade e controle total (Dn 3.1-30). No Novo Testamento, o Império Romano foi uma força sempre presente aos cristãos, que é ridicularizada e colocada em seu devido lugar (cf. Rm 1.1-32; 13.1-7). Nas Escrituras não há um único texto que apoie a ideia de que o cristão deva colocar sua esperança no poder do Estado ou ser servil a um governo autoritário ou totalitário. A mensagem poderosa do evangelho (Rm 1.16), que tem poder de produzir uma mudança social profunda, não depende do poder ou controle do Estado.

Karl Barth, que anteriormente havia apoiado os reformados húngaros em algum tipo de aceitação do regime comunista, escreveu uma carta pessoal ao bispo reformado húngaro Albert Bereczky, em 16 de setembro de 1951. Infelizmente esta carta não recebeu a atenção que merecia na época e nunca foi publicada na Hungria. Ele disse:

Protesto, aqui, no Ocidente, contra a crítica que vos fazem de servilidade diante do regime comunista. Faço isto não apenas porque sei que não é esta vossa intenção, mas também porque acredito que a pergunta que vos deve ser feita é muito séria. Ei-la: não estareis prestes a incorrer em sério erro teológico? Não quero dizer com isso que aproveis manifestamente o comunismo. Sabeis que, quanto a este ponto, ou seja, no plano político, não desejo vigiar-vos; mas, de qualquer modo, podemos discuti-lo, como cristãos. Creio constatar, em troca, que estais fazendo de vossa aprovação do comunismo um elemento da mensagem cristã, um artigo de fé que (como sempre aconteceu com a introdução de tais ‘doutrinas estrangeiras’) começa a afastar todas as outras, e, quereis agora interpretar a partir dela todo o Credo e toda a Bíblia. Em outras palavras: estais a ponto de cair na forma de ideologia que foi outrora (com outras características) a dos ‘cristãos alemães’. O resultado deste procedimento foi um erro evidente: a afirmação de que havia uma manifestação particular de Deus nos acontecimentos da História, que foi considerada no mesmo plano da Palavra de Deus em Jesus Cristo, e interligada a esta. Estou persuadido de que não é isso que desejais, nem o que vossos amigos desejam. Mas com a melhor disposição de espírito, não posso esconder-vos que estais, efetivamente, prestes a fazê-lo. E é apenas vossa ignorância relativa de nossas experiências na Europa Ocidental e, especialmente, na Alemanha, que vos impede de aperceber-se disso...39

Em julho de 1963, Barth escreveu ao seu amigo luterano tcheco, Josef Hromádka, um dos líderes do diálogo marxista-cristão no leste europeu:

Eu tenho uma reação alérgica extrema não só a todas as identificações, mas também a todos os esboços de paralelos e analogias entre o pensamento teológico e sociopolítico em que a superioridade dos analogans (o evangelho) ao analogatum (as ideias políticas e opinião dos teólogos em causa) não é clara, sóbria e irreversivelmente mantida e não permanece visível. Onde a importância relativa dos dois é reversível, aí eu falo (...) de uma filosofia da história que prejudica a teologia e a proclamação cristã.40

O socialismo, uma visão de mundo rival do cristianismo, exerceu e continua a exercer forte sedução sobre milhares de cristãos, conseguindo inclusive perturbar a pureza da fé cristã. Mas, como se pode aprender com Barth, a mensagem evangélica está acima de todas as ideologias ou possibilidades do espectro político, as quais, por sinal, algumas vezes não passam de pobres perversões e heresias advindas do evangelho.

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1Alain Besançon, A infelicidade do século (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000), p. 107.
2Besançon propõe uma classificação ligeiramente diferente, em A infelicidade do século, p. 141: “Não se encontra quase nunca nesses manuais a classificação correta, aquela sobre a qual existe o consenso entre os historiadores atualmente, mas que já tinha sido proposta desde 1951 por Hannah Arendt, a saber: o conjunto dos dois regimes totalitários, comunismo e nazismo, os regimes liberais, os regimes autoritários (Itália, Espanha, Hungria, América Latina) que provêm das categorias clássicas da ditadura e da tirania, organizadas por Aristóteles”. Para uma classificação que usa os eixos igualdade e liberdade para tratar das díades, e que tenta ser prospectiva e prescritiva, cf. Norberto Bobbio, em Direita eesquerda (São Paulo: UNESP, 1995), p. 119: extrema-esquerda (igualitário autoritário, do tipo comunista), centro-esquerda (igualitário libertário, do tipo socialdemocrático), centro-direita (libertário inigualitário, do tipo liberal conservador) e extrema-direita (autoritário inigualitário, do tipo nazista). Podem-se destacar pelo menos dois problemas nesta conceituação: não leva em conta dados teóricos e empíricos de comparação entre nazismo e comunismo na conceituação dos extremismos antidemocráticos (cf. a superficialidade com que é tratado o Pacto Molotov-Ribbentrop, p. 60-61), ainda que admita que “os extremos se tocam” (p. 53); e, mais importante, não explicita o papel dirigista do Estado para conduzir uma sociedade ao igualitarismo.
3Gráficos adaptados de Greg Johnson, O mundo de acordo com Deus (São Paulo: Vida, 2006), p. 93-94, eNolan Chart, http://en.wikipedia.org/wiki/Nolan_Chart, acessado em 5 de novembro de 2013. Esta variante da tabela de Nolan aqui publicada usa dois eixos, a saber – foco econômico e foco cultural, cada um podendo recair sobre a comunidade ou sobre o indivíduo – para representar as ênfases de formas de governo e dimensões políticas.
4Deve ser lembrado que, quando corporações utilizam o governo para se beneficiar em detrimento de todo o resto, isso caracteriza exatamente a antítese do livre mercado. Isso se chama corporativismo.
5As posições ideológicas foram retiradas dos programas dos respectivos partidos. O DEM é o antigo PFL, que seguia o modelo desenvolvimentista e intervencionista do regime militar. Pouco depois de sua fundação, o DEM se dividiu, e políticos de destaque do partido fundaram o PSD. Outro partido, o PP, tem entre seus fundadores ideólogos do modelo militar de capitalismo controlado pelo Estado.
6Um exemplo já basta da importância destas fontes: após a publicação de Berlim, 1945 (Rio de Janeiro: Record, 2004), seu autor, Antony Beevor, foi fortemente criticado por políticos e historiadores russos por retratar as atrocidades cometidas pelo Exército Vermelho contra os civis alemães em 1945. Por exemplo, o livro cita que cerca de dois milhões de mulheres alemãs foram estupradas por soldados soviéticos, antes e após o fim da guerra. Só que as afirmações de Beevor estavam baseadas em fontes primárias dos arquivos da antiga União Soviética, os relatos dos comissários políticos que serviam junto ao Exército Vermelho. Quando os exércitos soviéticos invadiram a Manchúria, em agosto de 1945, ocorreram mais estupros indiscriminados de mulheres, japonesas ou não. Cf. Andrew Roberts, A tempestade da guerra(São Paulo: Record, 2012), p. 631.
7Em 2013 o autor visitou o campo de concentração de Sachsenhausen, a 35 quilômetros de Berlim, na Alemanha. Este campo foi usado pelos nazistas de 1936 a 1945. Durante este período mais de 200.000 judeus, oponentes políticos do nazismo e prisioneiros de guerra estiveram encarcerados no campo. E cerca de 30.000 morreram de doenças, desnutrição, execução ou experimentações médicas. De 1945 a 1950 o campo foi usado pelos soviéticos, e 60.000 militares alemães, funcionários nazistas, colaboradores russos e dissidentes anticomunistas estiveram aprisionados durante este período. Destes, certa de 12.000 morrem de fome ou doenças. Para os números de prisioneiros e mortos, cf. http://www.chgs.umn.edu/museum/memorials/sachsenhausen/.
8A ideia de que a União Soviética estava combatendo pelo comunismo foi rapidamente substituída pelo uso da religião ortodoxa e das “glórias militares da era czarista”, assim como pela exortação a se lutar pela “Sagrada Rússia”. Até hoje a Segunda Guerra Mundial é conhecida na Rússia como a “Grande Guerra Patriótica”. Cf. Richard Pipes, O comunismo (Rio de Janeiro: Objetiva, 2002), p. 92-96. Do lado alemão, o ramo mais ideologizado das forças armadas (Wehrmacht), a Waffen-SS, se tornou uma força internacional, a partir de 1941. Ao fim da guerra, 366.500 estrangeiros serviram na Waffen-SS. Entre esses, albaneses, belgas, bósnios, croatas, dinamarqueses, espanhóis, eslovenos, finlandeses, franceses, holandeses, húngaros, indianos, ingleses, italianos, noruegueses, romenos, russos, sérvios e ucranianos. 410.000 alemães nacionais (Reichsdeutsche), inclusive austríacos, e 300.000 alemães étnicos (Volksdeutsche), serviram nesta força. Cf. John Keegan, Waffen-SS: soldados da morte (Rio de Janeiro: Renes, 1973), p. 96. Cerca de um milhão de estrangeiros serviram no exército (Heer) alemão. Entre esses, havia alemães étnicos, árabes, belgas, tchecos, holandeses, finlandeses, franceses, gregos, húngaros, noruegueses, poloneses, portugueses, espanhóis, suecos e ingleses. Além destes, 800.000 a um milhão de russos serviram no exército alemão para lutar contra os soviéticos. Cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Wehrmacht_foreign_volunteers_and_conscripts.
9A Rússia Imperial tinha um terrível histórico de Progroms. Entre 1880 e 1920 cerca de 70 mil a 250 mil judeus foram assassinados e milhões emigraram para o exterior. Sobre o antissemitismo soviético, que algumas vezes era disfarçado como “antissionismo”, cf. “a noite dos poetas assassinados”, quando em agosto de 1952, treze poetas judeus foram assassinados na prisão de Lubyanka, em Moscou, assim como a chamada “conspiração dos médicos”, ocorrido entre 1952-1953, que seria o início da liquidação total da vida cultural judaica na União Soviética. Cf. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo (São Paulo: Companhia das Letras, 1989), p. 351-353. Sobre o genocídio de cerca de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, patrocinado pelo Estado nazista, cf. Martin Gilbert, O Holocausto (São Paulo: Hucitec, 2010).
10Para citações incentivando o genocídio nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels, cf. Marx–Engels Genocide Quotations: The Hidden History of Marx and Engels, em: http://www.orgonelab.org/MarxEngelsQuotes.htm#QUOTES.
11Richard Pipes, O comunismo, p. 85.
12John Toland, Adolf Hitler: The Definitive Biography (Garden City, NY: Anchor, 1976), p. 224-225. Ainda assim, é bom ter em mente que o discurso de Hitler era eclético, mesclando antissemitismo, mitologia alemã, cristianismo liberal, nacionalismo exacerbado, romantismo e socialismo. Mas, como Ernst Nolte destacou em sua obra Three Faces of Fascism: Action Francaise, Italian Fascism, National Socialism(London: International Thomson, 1966), o nazismo não pode ser considerado um movimento político conservador, que tinha como alvo preservar o status quo. Na verdade, o Nacional Socialismo era uma revolução política dinâmica, que condenava não apenas o bolchevismo, mas também o capitalismo. Por exemplo, em todo o tempo os industriais conservadores alemães estiveram debaixo do controle político do Nacional Socialismo. O programa político do partido nazista pode ser lido na íntegra em Jonah Goldberg,Fascismo de esquerda (Rio de Janeiro: Record, 2009), p. 457-450. Esse programa foi proclamado em 24 de fevereiro de 1920 e permaneceu inalterado até a dissolução do partido, com o fim da Segunda Guerra.
13Entrevista concedida a George Sylvester Viereck, em julho de 1932. Em Fábio Altamn (org). A Arte da entrevista; uma antologia de 1823 aos Nossos Dias (São Paulo: Scritta, 1995), p. 114-115. A entrevista completa pode ser lida em: http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/AdolfHitler.htm.
14Adelheid von Saldern, The Challenge of Modernity: German Social and Cultural Studies, 1890-1960 (Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002), p. 78. O SPD se posicionou desta forma por causa da íntima cooperação entre os comunistas (KPD) e nazistas (NSDAP) em tentativas de referendos e greves ocorridas entre 1931-1932, e que almejavam minar o SPD na Prússia.
15Walter Hammer, Hohes Haus in Henkers Hand (Frankfurt/Main: Europaeische Verlangsanstalt, 1956), p. 84. Citado em D.M. Giangreco and Robert E. Griffin, Airbridge to Berlin: The Berlin Crisis of 1948, its Origins and Aftermath, em: http://www.trumanlibrary.org/whistlestop/BERLIN_A/WWNB.HTM. Para as informações deste parágrafo, cf. o verbete “Comparison of Nazism and Stalinism”, em http://en.wikipedia.org/wiki/Comparison_of_Nazism_and_Stalinism.
16Max Hastings, Inferno: o mundo em guerra 1939-1945 (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012), p. 21-22, 28. Em 1939, sindicalistas se opuseram à “guerra imperialista” da Inglaterra e França contra a Alemanha, e pichações apareceram nas ruas de Londres e Paris: “Parem a guerra: o trabalhador paga” e “Não à guerra capitalista”. Cf. também Andrew Roberts, A tempestade da guerra, p. 121: A França se rendeu aos exércitos alemães em junho de 1940, mas “o Partido Comunista [Francês] (...) só começou a fazer resistência aos alemães depois que Hitler invadiu a Rússia, em junho de 1941. (...) Depois da queda de Paris [em 1940], eles concentraram esforços no plano para abocanhar o poder [na França] e chegaram mesmo a assassinar résistants anticomunistas cuja popularidade local pudesse, ao ver deles, ameaçar seus objetivos. (...) [Próximo do fim da guerra, em 1945,] o Partido Comunista Francês aguardou o sinal de Stalin para se sublevar, o qual, por várias razões relacionadas com a penetração soviética no leste da Europa, jamais chegou”. Para o abjeto papel de historiadores ingleses como E. H. Carr, Christopher Hill e Eric Hobsbawn como agentes e simpatizantes soviéticos, cf. Norman Davies, O levante de 44: a batalha por Varsóvia (Rio de Janeiro: Record, 2006), p. 199-208.
17A controvérsia é sumariada em Norman Davies, Europa na guerra (Rio de Janeiro: Record, 2009), p. 508-512.
18Como escreveu Norman Davies, Europa na guerra, p. 358: “O historiador alemão Ernst Nolte viu-se em dificuldades ao declarar que os nazistas tiraram vantagem da prática soviética. Não obstante, é incontestável que os campos soviéticos [de concentração] vieram antes, que os alemães vieram depois e que o sistema soviético era muito maior do que o seu equivalente alemão”.
19Entre os que se opuseram a esta tese estavam esquerdistas como o filósofo Jürgen Habermas e os historiadores Hans Mommsen, Jürgen Kocka, Detlev Peukert, Martin Broszat, Hans-Ulrich Wehler, Heinrich August Winkler, Wolfgang Mommsen e Eberhard Jäckel. Curiosamente, quase todos eles membros do Partido Social Democrata (SPD).
20Norman Davies, Europa na guerra, p. 510-511.
21Para aqueles que quiserem aprofundar os estudos sobre os dois totalitarismos, uma bibliografia básica inclui: Alain Besançon, A infelicidade do século; Richard Pipes, O comunismo; História concisa da Revolução Russa (Rio de Janeiro: Bestbolso, 2008); Propriedade e liberdade (Rio de Janeiro: Record, 2001); Michael Geyer & Sheila Fitzpatrick, Beyond totalitarianism: Stalinism and Nazism compared (New York: Cambridge University Press, 2009); Richard Overy, Os ditadores (Rio de Janeiro: José Olympio, 2004); François Furet & Ernst Nolte, Fascism and communism (Lincoln: University of Nebraska Press, 2001); Ernst Nolte, Marxism, Fascism, Cold War (Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press, 1982); Three Faces of Fascism; Joachim Fest, Hitler (Rio de Janeiro: Pocket Ouro, 2011); A. James Gregor, The Faces of Janus (New Haven, CT: Yale University Press, 2000). Os textos originais da Historikerstreit foram traduzidos e publicados em inglês por James Knowlton, Forever in the Shadow of Hitler? (Atlantic Highlands, NJ: Humanities Press, 1993).
22Richard Pipes, O comunismo, p. 179.
23Entre os signatários da Declaração de Praga estão Václav Havel e Joachim Gauck, além de outros políticos, antigos dissidentes e historiadores europeus. Uma tradução da declaração pode ser lida aqui: http://declaracaodepraga.blogspot.com.br/. O original se encontra em: http://www.praguedeclaration.eu/. Para a lista dos institutos e o contexto da declaração, cf. “Comparison of Nazism and Stalinism”.
24O filme contém entrevistas com historiadores ocidentais e russos, como Norman Davies, Pierre Rigoulot e Boris Sokolov, o escritor russo Viktor Suvorov, o dissidente soviético Vladimir Bukovsky, membros do Parlamento Europeu e vítimas do terror soviético. Um dos entrevistados, George G. Watson, foi aluno e amigo de C. S. Lewis e autor de, entre outros, The Lost Literature of Socialism (Cambridge: Lutterworth Press, 2010). Os crimes retratados no filme estão documentados em Stéphane Courtois (org.), O livro negro do comunismo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999). Cf. também Stéphane Courtois (org.), Cortar o mal pela raiz! – história e memória do comunismo na Europa (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006).
25Aparentemente, The Soviet Story nunca foi lançado comercialmente no país, e, parece, nunca passou na TV brasileira. Há várias versões legendadas em português na internet. Cf., por exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=yt6ErIvjSV0 e https://www.youtube.com/watch?v=UqSmVJEIL0Q&feature=youtu.be&hd=1.
26Cf. Franklin Ferreira, “A Igreja Confessional Alemã e a ‘Disputa pela Igreja’ (1933-1937)”, em: Fides Reformata, v. 15, n. 1 (2010), p. 9-36, em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/franklinIgrejaConfessional.pdf.
27“L’Eglise et La question politique d’aujourd’hui”, In Extremis, nº 3, 1939, p. 76. Citado em Daniel Cornu,Karl Barth, teólogo da liberdade (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971), p. 143.
28Fato lamentado em Alain Besançon, A infelicidade do século, p. 128.
29“Wie soll man das verstehen? Offener Brief an Karl Barth”, Kirchenblatt für die reformierte Schweiz, Zurique, 1948, p. 76. Citado em Daniel Cornu, Karl Barth, teólogo da liberdade, p. 149-151. Para a compreensão de Brunner sobre a relação da igreja com o Estado, e seu entendimento de totalitarismo, cf. Alister E. McGrath, Emil Brunner: A Reappraisal (Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2014), p. 181-204.
30Dietrich Bonhoeffer, Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão (São Leopoldo: Sinodal, 2003), p. 28.
31Sobre a “rude ignorância” de Karl Barth acerca do contexto húngaro, e a necessidade que a igreja reformada húngara tinha de afirmações como as proferidas pela igreja confessante alemã diante da ameaça do nazismo, cf. Helmut David Baer, The Struggle of Hungarian Lutherans Under Communism(College Station: Texas A&M University Press, 2006), p. 157. As afirmações de Barth na carta aberta “Friends in the Reformed Church of Hungary” (23 de maio de 1948), de que a tarefa primeira da igreja era a proclamação da Palavra e não a defesa das estruturas eclesiásticas, forneceram, em alguma medida, as razões que levaram a igreja reformada húngara à dúbia distinção de se tornar a primeira igreja a colaborar com os comunistas naquele país, inclusive durante a repressão à Revolução Húngara, em 1956. Para as ações de infiltração da Stasi na República Democrática da Alemanha, que se estenderam às igrejas luteranas, um dos poucos lugares de refúgio para dissidentes, cf. Frederick Taylor, Muro de Berlim (Rio de Janeiro: Record, 2009), onde é documentado o esforço daquela agência de espionagem em cooptar membros e ministros da igreja luterana para servir como informantes, num tempo em que qualquer palavra contra o regime da República Democrática da Alemanha poderia implicar prisão e até a morte.
32New York Times, 18 de junho de 1992, p. A18, citado em: Richard Pipes, O comunismo, p. 130.
33Esse conceito, aliás, é uma “maneira darwiniana-hegeliana, orgânica, de olhar a necessidade de as pessoas se organizarem em unidades espirituais e biológicas coletivas – ou seja, (...) política de identidade”, cujas origens remontam a Woodrow Wilson, controvertido presidente democrata dos Estados Unidos. Cf. Jonah Goldberg, Fascismo de esquerda, p. 285. Aqui se revela mais um ponto de contato entre a esquerda de hoje e os fascismos de outrora.
34“Brasil bate recorde histórico de homicídios”, em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/05/27/brasil-tem-recorde-historico-de-homicidios.htm.
35Cf. Denis Lerrer Rosenfield, “Há Estado?”, em: http://oglobo.globo.com/opiniao/ha-estado-12671909.
36Cf. José Casado, “Aumenta a desigualdade”, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2014/05/27/aumenta-desigualdade-por-jose-casado-537248.asp: “Na vida real, há um paradoxo: os brasileiros pobres estão cada vez mais empobrecidos pelo mesmo Estado que anuncia protegê-los”.
37Russell Kirk, A política da prudência (São Paulo: É Realizações, 2014), p. 91, 95.
38Para as origens desta religião de adoração ao Estado nos Estados Unidos, cf. Jonah Goldberg,Fascismo de esquerda, p. 227-272. Entre os teólogos influentes deste movimento são citados Walter Rauschenbusch, Paul Tillich e Harvey Cox. “Os [cristãos] conservadores adoram espicaçar os [cristãos] liberais apontando seu ‘cristianismo de lanchonete’, no qual escolhem as coisas de que gostam no cardápio e evitam o indigesto. Mas existe mais do que mera hipocrisia aí. O que parece ser uma inconsistência é, de fato, o contínuo desdobrar do tapete do Evangelho Social para revelar uma religião sem Deus. Mais do que cristãos inconsistentes, os [cristãos] liberais de lanchonete são, de fato, progressistas consistentes” (p. 377-378). Um dos principais adversários deste movimento foi Reinhold Niebuhr, um dos líderes do realismo cristão, o equivalente norte-americano da neo-ortodoxia europeia.
39“Junge Kirche”, Protestantisches Monatsheft, Oldenburgo, 15 de março de 1952, p. 141-142. Citado em Daniel Cornu, Karl Barth, teólogo da liberdade, p. 156-157. Parte da carta também se encontra em Joseph Pungur, “Protestantism in Hungary: The Communist Era”, em: Sabrina Petra Ramet (org.), Protestantism and Politics in Eastern Europe and Russia: The Communist and Post-Communist Eras (Durham: Duke University Press, 1992), p. 122. Esta carta veio a público, sem autorização de Barth, sendo publicada em 1952. Ela foi publicada apenas em 1984, na série Karl Barth Gesamtausgabe: Diether Koch (org.), Offene Briefe 1945-1968, Band 15 (Zurich: Theologischer Verlag, 1984).
40Jürgen Fangmeier & Hinrich Stoevesandt (eds.), Karl Barth Letters 1961-1968 (Edinburgh: T&T Clark, 1981), p. 105. Numa carta que precedeu a esta, Barth é ainda mais contundente (cf. p. 82-84), o que gerou uma réplica magoada de Hromádka (cf. p. 343-345). O trecho aqui citado é parte da tréplica. Alguns anos depois, Hromádka chamou de “a maior tragédia da minha vida” a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas comunistas do Pacto de Varsóvia, em agosto de 1968, para sufocar a Primavera de Praga.




Por  Franklin Ferreira

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